sexta-feira, 28 de novembro de 2008
sim, ainda.
Água. Demasiado quente. Fiz com que a torneira se movesse para o lado da meia-lua azul e observei o fio transparente correr por uns momentos, esperando que arrefecesse. Clique. Flash no cérebrozinho. Água. Também havia água no sonho, mas não me consigo recordar em que situação. Seria o mar? A chuva? Não consigo mesmo lembrar-me. Paciência. Eu sei que por mais que tente, é impossível reconstruir um sonho. Ficam os flashes.
Voltei a deitar-me. Por que raio é que eu tinha que voltar a sonhar contigo, passado tanto tempo desde a última vez? Eu pensava que não existiriam mais vezes, depois daquela. Afinal enganei-me.
Onde andarás tu, a estas horas?
Levei a mão ao telemóvel depois deste pensamento, só porque não sabia que horas eram. Cedo, se adormecer agora ainda durmo três horas. Mas fecho os olhos e apareces-me à frente, não dá para dormir assim.
Sabes, fico contente por te ver esta noite. Tenho uma lista infindável de pessoas com quem gostaria de estar agora, não te sintas demasiado importante. A solidão faz destas coisas. Mas é bom ter uma companhia que não tenha que entrar em mim e sair em forma de fumo espesso para se fazer sentir. Tu estás bem aqui, hoje. Vou contar-te como estou, mesmo que saiba que te continuas a esconder de mim e não queiras saber. Pelo menos hoje, apareceste.
De há umas semanas para cá não há sol. Imaginas como é viver sem sol? Não. Ninguém consegue imaginar isso. Eu própria, antes, achava que sabia o que era ter que viver assim, mas finalmente percebi que nunca soube. Até agora. Mas talvez para compensar o facto de não haver sol e de o amarelo e vermelho das folhas ter desaparecido (aliás, quem desapareceu foram as folhas), nevou. Foi sol (para mim) de pouca dura, mas soube-me muito bem. Eu sei que tu não és grande fã de neve, não quero estar a perder tempo com assuntos que te passam ao lado. Mas sinto que não tenho nada para contar sobre mim. Se bem que eu saiba que também sou um assunto que te passa ao lado. Mas estás aqui hoje.
Ai, meu amor. Se eu conseguisse explicar o que aqui vai dentro. Se eu te enumerasse todas as vezes que te tentei enterrar e perder de vista o sítio para não mais voltar a procurar-te. Nem quando fugiste, me senti assim, como me sinto agora. Naquela altura, achava-me a pessoa mais triste do mundo. Não tinha ninguém, é certo. Mas tinha esperança de um amanhã positivo, porque as memórias eram de ontem. Agora... Agora as memórias dispersaram-se. Já não sei o que se passou entre nós e o que se passou na minha cabeça e sei que o nunca mais que pronunciaste ou escreveste ou deixaste transparecer, vai acompanhar-me o resto da vida. Pouco importa. Não é de ti que sinto falta. Tu apareces-me porque não há mais ninguém. E porque as memórias... As memórias dispersaram-se mas voltam à tona de vez em quando.
Desde que me conheceste até ao tal nunca mais que não me lembro exactamente como é que saiu de ti, quis ser médica. Antes disso também. Lembras-te? Claro que te lembras. Tu também querias. E queres. Mas eu descobri que afinal não é isso que quero. Porquê? Quero ser feliz. E profissionalmente, uma pessoa pode ser bem-sucedida e respeitada. Mas nunca pode ser feliz.
Estava agora a olhar para ti e a tentar lembrar-me da última vez que partilhámos um momento feliz. Impossível. É como tentar reconstruir o sonho, não vale a pena. Mas talvez seja melhor assim, não achas? Eu sei que tu também não te lembras. Mas às vezes gostava de poder entrar nessa cabecinha e decobrir do que é que ainda te lembras. Eu lembro-me tão bem de tanta coisa. Eram dias de sol (mesmo que chovesse) em que os nossos corpos encaixavam tão bem sem qualquer esforço e em que eu consumia cada bocadinho do teu sorriso. Era assim que eu alimentava o meu. Eram horas que não se faziam notar, que passavam por nós entre beijos que nos ensinámos e que nunca mais foram os mesmos, por cabelos desalinhados de cores desiguais. A minha mão não era (e continua a não ser) suficientemente grande para ser da dimensão da tua. Mas o espacinho... O espacinho. E era muito mais. Eram ausências que não se faziam sentir pela certeza de te ter na minha vida. Que certeza mais incerta, meu amor. Agora sei disso. E agora, gostava que soubesses, que se pudesse pedir algo, não pedia beijos nem sorrisos, nem cabelos desalinhados, nem corpos despidos (de tudo, menos amor). Só peço alguém, meu amor. Alguém que me ouça. Alguém que apareça para eu poder contar o que se passa comigo, mesmo que não se passe nada de especial e que o primeiro assunto que me venha à mente seja a neve ou o sol. Meu amor, não preciso de ti. Preciso de alguém. E, para mim, hoje faz todo o sentido que esse alguém sejas tu. Porque resolveste aparecer, num sonho que já se perde na distância de horas. E eu mantive-te comigo, porque custa estar só. Não por te amar ou por te querer ter aqui.
Mas ainda és parte de mim. E enquanto me apareceres a meio da noite e me fizeres suar e elevar os batimentos do coração para o dobro, serás sempre parte de mim, meu amor. Mesmo que eu não queira. Desculpa. E obrigada, por hoje.
segunda-feira, 3 de novembro de 2008
03.11.2008
- Foi num ápice. O cigarro estava aceso e, sem dar por isso, já estava caído no chão, sem chama, sem luz.
- Do que estás a falar?
- Foi o tempo que o sol demorou a desaparecer.
- Mas o sol nem apareceu hoje.
- Pois não.
- O céu esteve carregado de nuvens cinzentas durante todo o dia.
- Não. Enquanto o cigarro ardeu e os meus olhos estiveram postos no céu, posso assegurar-te que não foi cinzento que eles viram.
- Então?
- Os meus olhos viram laranja. E rosa. E depois cinzento arroxeado. E cinzento outra vez, mas ainda mais escuro. E finalmente, preto.
- Eu podia jurar que hoje o céu esteve sempre cinzento.
- Não esteve. Tu é que não reparaste e provavelmente ninguém reparou. Afinal, foi só o tempo de um cigarro arder. Provavelmente estavas enfiado no autocarro ou a tomar banho. E nem deste por isso. Eu escolhi a hora exacta para ir à janela fumar o meu cigarro.
- Eu continuo a achar que hoje o sol não apareceu e que o céu esteve sempre cinzento. Choveu, durante horas!
- Tens razão, o sol não apareceu. Mas o céu não esteve sempre cinzento.
- E o que é que isso interessa, também?
- Para quem não viu as cores que eu vi no céu hoje, não deve interessar nada. Assim como para mim não interessa nada o facto de ter chovido hoje, porque os estores estiveram fechados enquanto choveu. E tal como tu nem deste pelos tons de que o céu se vestiu há pouco, eu também nem reparei que choveu hoje.
- Pensava que só as pessoas que não tinham mais nada sobre que falar é que iam buscar o tempo como assunto.
- Mas eu não estou a falar sobre o tempo.
- Ah desculpa, pareceu. Posso acender? Estou à espera deste momento desde que acordei. É a primeira do dia!
- Podes, claro. Embora eu não esteja à espera de nada. Olha lá para fora. O céu está preto, agora. E quando o céu está preto, não vale a pena desejar qualquer outra cor, porque o preto não o permite. Mas quando o céu está cinzento... Quando o céu está cinzento podemos sempre esperar que ele permaneça cinzento ou podemos fechar os estores e esquecer que ele está cinzento. E continuar a nossa vida sem pensar na cor do céu. E quem sabe, se quando abrirmos os estores não estará um momento bonito à nossa espera.
- Eu gosto de dias cinzentos. Acho a chuva bonita. E não há nada mais especial do que aquele reflexo que às vezes se forma no chão, nas poças de água. Parece um arco-íris debaixo dos nossos pés.
- Vês, eu não estava a falar do tempo. Eu estava a falar de beleza. Hoje foi um dia cinzento. E eu, ao contrário de ti, odeio dias cinzentos. No entanto, posso afirmar, que desde que aqui cheguei, este foi o dia mais bonito que já vivi. E até há umas horas atrás estava longe de achar isso.
- Acho que depois de experimentares isto o teu dia ainda vai ficar mais bonito, toma.
- Não, agora o céu está preto. Não há nada a fazer. E eu já tive o meu momento bonito de hoje. Tenho a certeza de que ontem também tive esse momento mas nem reparei nele. E aposto que tem sido assim todos os dias, eu é que sou burra.
- Então o que é que vais fazer? Vais desejar que o momento em que fores à janela amanhã, seja outra vez o momento bonito do dia? E se não for?
- Não. Amanhã certamente que nem sequer irei à janela. Vou desejar que amanhã, quando eu acordar, o céu esteja cinzento. Quero sentir-me bem em relação a isso. Quero sentir que está um dia cinzento e bonito. Quero ir à rua e sentir que o frio que anunciaram na meteorologia é indiferente. Quero sentir que por mais cinzento que esteja o meu dia, quando eu menos esperar (não interessa se vou estar a fumar o meu cigarro ou se vou estar enfiada no autocarro) o rosa, o laranja e o cinzento arroxeado vão aparecer. E chamar-lhes estes nomes é ridículo. Mas é a única forma de tentar traduzir por palavras um sentimento de beleza. E mesmo assim, parece que não percebeste nada do que acabei de dizer.
- Vamos dizer que é o efeito disso que tens na mão que não me permite perceber.
- Sim. Afinal, isto serve sempre como desculpa para tudo, não é? Para tudo talvez não, mas por exemplo para não percebermos os que os outros nos dizem ou simplesmente para nos contentarmos com cinzento quando no fim de contas há rosa, laranja e cinzento arroxeado... (Pausa) Põe lá o filme.
- Boa ideia!
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
Génial, Edith.
Je ne veux pas déjeuner
Je veux seulement oublier
Et puis, je fume!
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
la groupie du pianiste
"Elle fout toute sa vie en l'air
Et toute sa vie c'est pas grand chose
Qu'est-ce qu'elle aurait bien pu faire
A part rêver seule dans son lit
Le soir entre ses draps roses
Elle passe sa vie à l'attendre
Pour un mot, pour un geste tendre
La groupie du pianiste
Devant l'hôtel dans les coulisses
Elle rêve de la vie d'artiste
La groupie du pianiste
Elle le suivrait jusqu'en enfer
Et même l'enfer c'est pas grand chose
À côté d'être seule sur terre
Et elle y pense dans son lit
Le soir entre ses draps roses
Elle l'aime, elle l'adore
Plus que tout elle l'aime
C'est beau comme elle l'aime
Elle l'aime, elle l'adore
C'est fou comme elle l'aime
C'est beau comme elle l'aime
(...) "
sexta-feira, 19 de setembro de 2008
pensons à l'avenir, bébé!
E é bom conhecer gente de todo o mundo, sentir-me uma cidadã do mundo. Quase que sinto vontade de comprar um dossier e arranjar um projecto novo. Quase que sinto vontade de dizer não ao teu amor e ao de quem quer que seja que apareça para me amar a mim mesma. Quase que sinto vontade de deixar de te ter cá dentro para poder ocupar este espaço com outros sentimentos que não este tão carregado de mágoa e de tristeza. Eles não sabem como é bom mudar de vida. Eles desconhecem por completo o amor e as loucuras que ele nos faz cometer. Eles acham que é fácil, que não há razões que justifiquem os nossos actos, mas nós conhecemo-las todas e queríamos tanto que nunca tivessem existido.
Não vou ficar por aqui muito tempo. Tenho cinco continentes por explorar, biliões de pessoas para conhecer, milhares de dias novos com ou sem sol à minha espera. E todas as noites, quando me deitar, vai ser em ti que vou pensar. Mas sei que vou sorrir porque não és tu quem me vai fazer falta. Não será mais o passado que me fará falta. Será o dia seguinte. Porque vou querer mais e mais, mesmo sem saber até onde poderá ir o mais. Não vou fazer grandes planos, não me vou agarrar a nada, nem a pessoas nem a lugares, porque ficar de novo presa, só se for a um caixão. Nem isso, as minhas cinzas hão de ser espalhadas em diversos lugares para que eu não sinta o sufoco de um só local a entrar-me pelo corpo. Porque a alma, estará bem longe. Fora daqui, fora de ti, fora do que fui. Mas repleta de vivências que ainda agora começaram a florescer-me na pele.
E se eles soubessem como é bom poder, finalmente, aprender por mim própria, sem dar por mim fechada num cubículo com mais vinte pessoas que pensam que o que lhes é dito é verdadeiro. Sem ter que ouvir alguém disparar informação que alguém inventou para que outros a absorvessem. O que os outros viveram e descobriram é parte deles, nunca percebi porque é que faziam tanta questão que fizesse parte de mim também. Agora posso escolher o que quero que faça parte de mim. E tu, não constas na lista de opções. Tu, serás apenas um telefonema no primeiro dia de Outubro, umas palavras num papel quando o coração assim o ditar. Mas jamais serás o futuro. E tudo o que importa agora, é isso mesmo. O futuro sem ti.
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
l'horloge fleurie

segunda-feira, 21 de julho de 2008
esboços
O que ela não sabia, ou se sabia, não entendia, era o porquê de tantas horas passadas enfiada no quarto, a preencher páginas ou documentos de texto, que eu escondia e minimizava, respectivamente, sempre que ela entrava na divisão que era só minha e da qual eu não percebia porque é que não podia usufruir sem ser incomodada.
Hoje, alguns anos depois, questiono-me sobre o facto de ter escondido sempre os meus dossiers repletos de ideias que eram sonhos que partiam de uma criança, que aos poucos foi crescendo e afastando cada vez mais da origem, esforçando-se por não continuar a ser um prolongamento dos pais que em nada eram parecidos consigo. A resposta não é difícil, afinal.
Mãe, eu escondia-te tudo aquilo que era meu, porque sabia que tu não eras como eu e o que era meu, não poderia nunca ser teu. Não por eu querer que assim fosse, mas por tu não quereres abraçar aquilo que era meu, que partia de mim.
Um dia vou falar-te sobre tudo, embora me custe falar sobre tudo, porque aquilo que era tudo na altura dos dossiers e do computador velho e branco e barulhento, hoje resume-se a um livrinho de memórias que eu deixei que permanecesse dentro de mim, por não ter coragem de mandá-lo fora como fiz com os dossiers e o computador velho.
Mas se queres saber, cada dossier correspondia a um sonho. E hoje vou falar-te apenas de um.
Num dos dossiers, cuja capa eram riscas azuis escuras que contrastavam com riscas azuis claras, as claras mais finas que as escuras, encontravam-se dezenas de páginas brancas, cada uma com um esboço. Esboço de quê, perguntas tu, ao que eu respondo, esboço da minha casa ideal. Como te disse, as folhas eram muitas, cada uma com um esboço. E descobri, ao fim de algum tempo, quando dei o dossier por concluído, que nunca iria conseguir desenhar a casa ideal. E se até à altura queria ser arquitecta, essa profissão foi imediatamente posta de parte, o dossier arrumado num armário com que eu não tivesse que me deparar todos os dias, os catálogos do ikea que recebíamos em casa atirados para o ecoponto azul e as muitas horas passadas em torno de folhas brancas com um lápis de carvão na mão, transformaram-se para mim numa situação ridícula que, daquele momento em diante, só poderia fazer parte do passado.
Mas porque é que não conseguiste desenhar a casa ideal, perguntas tu, novamente. Porque todas as casas me pareciam ideais. De cada vez que eu pegava no lápis e me saía um traço, o meu interior quase que rebentava, invadido por uma insustentável vontade de ser feliz e de conseguir, em cada traço dos meus desenhos, transmitir a felicidade que a casa em que se poderia transformar aquele esboço, me iria proporcionar. Então, cada folha tinha um qualquer pormenor que, juntamente com todos os outros, poderia não encaixar na perfeição, mas era essencial na sua individualidade como pertencente a um todo imaginário. Não estou a perceber o que queres dizer com isso, reclamas, abanando a cabeça. Não precisas de perceber nada disso, mãe. Para mim só é importante que percebas, que em tempos, desenhar quatro traços e dispor, consoante o meu gosto, os móveis e objectos de uma sala num papel, foi algo que me preencheu. Que passei horas e horas durante anos a pesquisar sobre quais os materiais mais apropriados, a decoração mais adequada e o espaço necessário, porque isso me aconchegava. Que investia todo o meu tempo no projecto da minha casa ideal porque isso me fazia esquecer o vazio que eu sentia existir em mim devido à distância que sempre esteve entre nós enquanto família.
Sabes, na minha casa ideal o sofá da sala era vermelho. Quando há uns meses saímos da cidade e fomos as duas escolher o sofá, naquele dia frio de sol, tu sugeriste um bege e o laranja, que acabámos por escolher. Que tu acabaste por escolher. Naquele momento era-me completamente indiferente a cor, a forma ou o tamanho do sofá. Era desnecessário até, haver um sofá.
Hoje percebo, mãe, porque é que tinha tanta vergonha e tanto medo de te mostrar o meu dossier às riscas azuis claras e escuras. Idealizar é ridículo, tinhas razão quando falavas em perda de tempo. Hoje sei que o meu maior erro foi ter perdido tanto tempo com esboços, quando o esboço da vida, já é a própria vida.
sexta-feira, 11 de julho de 2008
Iria ser perfeito.
Bastava sorrir
E logo as pessoas sorriam
Também, por acharem
Que o sorriso de uma criança,
Seria capaz de mover
Este e outros mundos.
Um dia soube que seria assim.
O sorriso de criança,
Não poderia simplesmente
Ser eterno
E contagiar em volta
As pessoas que mostraram
Ser efémeras.
E o mundo caiu.
E sem sorrir, criança sempre,
Deixei-me cair também.
Por ser fácil cair
Ao reparar, que
O mundo que antes movia,
Era feito de sorrisos
Entristecidos.
05.07.2008
quinta-feira, 3 de julho de 2008
quase passado
Mais uma vez contigo esquecemos o mal
Que nos fazemos aos dois por deixar para depois o que fizemos real.
Mais uma vez um abraço, aquele abraço de sempre
Aquele abraço que sente o que para sempre é segredo
Impaciente segredo e suave presença perdida em nós, despida em nós.
Ainda me fazes pensar, quase achar, que te amo
Quase achar que o destino se enganou no caminho
Esperar que me toques é vício que adoro e que me faz pensar.
Só não te quero ver chorar por ti.
Só não te quero ver a olhar para trás, para nós."
quinta-feira, 26 de junho de 2008
Who needs enemies?
Será que vale a pena continuar a acreditar na bondade dos outros? Por mais que eu tente fugir à realidade, tenho que aceitar a terrível verdade. As pessoas más existem. Porque é que eu insisto em mantê-las perto de mim, mesmo depois de todo o mal que me fazem? Talvez a solução passe por tirar umas férias desta gente.
sábado, 14 de junho de 2008
rechute II
Surgem novos sorrisos, novas mãos para apertar, novos corpos por explorar. E eu olho para eles e apetece-me abraçá-los a todos, tenho vontade de pertencer a alguém outra vez, de proporcionar felicidade através de um beijo. Mas depois nenhum deles é como tu, não há nada no calor dos novos corpos que me aqueça como tu o fazias. Sei que não te estou a substituir quando faço com alguém coisas que eram só nossas, mas é inevitável não pensar em ti quando o faço. É por isso que me farto tão rapidamente de viver momentos desses com alguém. E acabo por ter dias como o de hoje, em que nem dou pelo tempo passar, enfiada de pijama na cama, envolta por uma atmosfera vazia de afectos e de pessoas, achando que me vou sentir melhor assim. É pura ilusão. Não me sinto melhor, nem pior. Tenho comigo as lágrimas e a tristeza por saber que jamais entrarás neste quarto e te deitarás comigo, aquecendo-me o corpo, devolvendo-me o sorriso, transformando em magia cada um dos meus gestos. Tenho saudades de te desenhar nas costas com os dedos, desenhos imaginários, que tu procuravas descobrir o que significavam. Significavam amor. Tudo significava amor, entre nós. E se soubesses as mãos que já tentei encaixar na minha, para ver se entre elas iria nascer algo que me preenchesse tanto como o fazia o espacinho que ficava entre as nossas...
Já não tenho saudades da nossa vida, da nossa rotina. Agora tenho uma nova que me vai abstraíndo do passado e não penso em ti como antes. Nem seria capaz de trocar a minha nova rotina por ti, neste momento. Acho que sair desta rotina, só quando perceber que cheguei ao fundo e já não dá mais, como aconteceu connosco. Mas quando estou sozinha nesta cama, não encontro calma. O meu coração bate tanto, tal como de cada vez que eu te vejo. Ainda parece que quer saltar de cada vez que os meus olhos pousam em ti, não sabes como é mau sentir isto, como dói nem sequer um olhar ver retribuído. E é ridículo estar para aqui a escrever-te coisas que não tens qualquer interesse em ler, num lugar que desconheces, que nunca te quis mostrar por saber que não irias gostar de conhecer. Tenho a certeza de que não tens noção da gravidade, não imaginas que isto tem sido assim por estes lados, pensas que estou minimamente bem, embora de vez em quando não aguente mais e te mande uma mensagem, que é um grito que tu ouves e ignoras. Mas pensas que são momentos de fraqueza, aposto que também já os tiveste. Mas não são. São os picos, o clímax de uma vida que mata, momentos em que já nada faz sentido e eu ainda te procuro como se me pudesses oferecer algo que me deixasse bem. Nem um sorriso. Nem disso és capaz. E já foste capaz de tudo, já foste a vida e a morte para mim, já foste o que há entre e para além disso, já foste o amor, a dor, foste o motivo pelo qual sonhar fazia sentido. Foste tudo e aos poucos vais-te transformando em nada. Eu não quero ser realista, mas se o fosse, já teria percebido há muito tempo que não és nada na minha vida actual. Não há um abraço, não há uma conversa, não há a tua mão na minha. Não há. Não há manhãs nem noites partilhadas na mesma cama, cheiros que se fundem e bocas que se buscam, nem pontas de narizes que se tocam. Não há amor em nós. Não há amor em mim. Não há amor em mim.
domingo, 8 de junho de 2008
rechute
Gostava que tivessem lá estado hoje. Mãe, podias ter-me ajudado a escolher um vestido mais bonito do que aquele que levei e maquilhar-me-ias, tu sabes que eu não sou muita dotada para expôr a minha beleza exterior (como poderei atrever-me a dar a conhecer aos outros a interior, se nem esta que aparenta ser uma beleza fácil, eu gosto de mostrar?). E tu, pai, não aprecias nada festas deste género, mas aposto que farias um esforço para estares lá a sorrir e a ver-me subir aquele palco.
Hoje senti que já não vos tenho. O que estariam vocês a fazer àquela hora? Em que mesa estariam sentados a comer? Sinto que não sei nada de vocês e sei que há muito tempo que não sabem de mim também. Gostava que me conhecessem, que tivéssemos conversas infindáveis sobre livros ou drogas ou amor, tanto faz.
Os olhares daqueles pais deixavam transparecer tanto orgulho que, por momentos, senti inveja daquela gente toda, por não vos ter lá, por não ter ninguém orgulhoso de mim esta noite. Esta noite? Eu não vos dou qualquer motivo de orgulho há muito tempo, mas esforcei-me durante tantos anos por vos impressionar e deixar felizes, e sinto que nunca me souberam dar o devido valor, nunca foram capazes de dizer "filha, temos orgulho em ti, tu fazes-nos felizes". Se não me deram valor quando eu realmente vos dei razões para isso, sei que não é agora que não faço nada para vos ver felizes nem vos tento dar motivos para se orgulharem de mim, que vão achar em mim a filha que sempre sonharam ter.
"Era tão boa aluna...". Oh mãe, sou tão mais inteligente fora da escola agora. Já vivi tanto, já sofri tanto, e acabei de fazer dezoito anos. Gostava que pudesses entender que não escolhi o caminho de fazer tudo como me ensinaram, gostava que pudesses perceber que não gosto de fazer as coisas por fazer, porque me cansei de viver uma rotina que não me preenchia. Usei como recurso coisas que tu sempre achaste impensáveis para mim. Tens razão, se calhar optei pela escapatória mais fácil (e errada), mas não me condenes. O meu mundo é tão triste que eu tinha que inventar outro onde pudesse ter momentos de felicidade (será?) tão intensa que me fizessem esquecer a pessoa vazia que sou neste mundo de gente desinteressante, que já ouviu tanto de mim mas que no fundo, não sabe nada do que aqui vai dentro. Sei que isto não tem desculpa, que existiam outras formas de contornar a situação e que acabei por ir contra os meus próprios princípios, fazendo da minha vida aquilo que eu tinha a certeza de não querer para mim. Mas quando o grito não sai, a ajuda não vem. O grito vai aumentando a cada dia que passa e eu aprendi a contê-lo e a não precisar de exteriorizá-lo. Acabo por deitá-lo cá para fora, mas não se dirige a ninguém. É algo que fica no ar, tal e qual uma nuvem de fumo espessa que teima em invadir-me o espaço, mas que não invande o de mais ninguém.
Isto tudo para dizer que aos poucos deixo de sentir a vossa ausência, mas hoje tive uma recaída.
domingo, 25 de maio de 2008
oh lordy, trouble so hard.
Perdoa-me, perdoa-me. A tua indiferença é morte para mim.
Perdoa-me mãe, sinto tanto a tua falta.
Perdoa-me pai, por não me conheceres.
Perdoa-me mano, por nunca te ter percebido nem tentado ajudar.
Perdoa-me família, por já não teres qualquer importância na minha vida.
Perdoem-me os meus amigos, por não conseguir apoiá-los.
Perdoem-me todas as pessoas de quem me afastei, a solidão às vezes aconchega.
Perdoem-me todas as pessoas a quem fiz mal, nunca foi minha intenção.
Perdoa-me Deus, por não crer na tua existência.
Perdoa-me droga, por te dar tanto uso.
Perdoa-me escola, por não querer saber de ti.
Perdoa-me casa, por te ter transformado em algo que talvez preferisses não ser.
Perdoa-me tecto, por me perder tantas vezes a olhar para a ti.
Perdoem-me os lençóis e a almofada, por absorverem tantas das minhas lágrimas.
Perdoa-me mundo, por não me mover em tua função.
Perdoa-me sociedade, por empacotar as tuas regras e enviá-las para bem longe, nós não coexistimos.
Perdoa-me pássaro que voas lá fora, não tenho asas como tu.
Perdoa-me arco-íris, aqui já só mora o preto.
Perdoa-me solidão, por passar tanto tempo contigo.
Perdoa-me corpo, andar custa mas tem que ser.
Perdoa-me minha alma, deixaram-te tão vazia.
Perdoa-me vida, por estar a desistir de ti.
Não sei mais o que fazer.
Dizem que só o perdão nos pode salvar. No meu caso são tantos perdões que prefiro não acreditar que algum dia algo ou alguém me salve. Eu perdoo-vos a todos, mesmo que não vos consiga salvar de nada.
terça-feira, 20 de maio de 2008
i'm yours, forever.
Quero esquecer o tic-tac e pensar apenas que vamos aproveitar bem o pouco tempo que nos resta. Há dias em que acho que já nada me prende aqui e que não será assim tão mau partir. Mas depois, de cada vez que olho para ti, só me apetece ficar e partilhar contigo tudo, tudo, tudo. Tudo o que está para vir.
Não me condenes por me deixar consumir por coisas que me fazem mal.
Eu quero que saibas que se não te tivesse tido nestes últimos dois anos,
Talvez tivessem sido dois anos sem histórias minhas para contar.
Os meus segredos, acabariam por me matar,
Se não pudesse partilhar muitos deles contigo.
Sei que um dia,
Hei-de gritar-te os que faltam, um por um,
Sem medo.
Porque sei que me vou poder agarrar a ti e que entenderás tudo.
Tu és, meu amor,
Quem me faz acreditar que até no mundo mais triste há sempre alguém para nos salvar.
Afirmo, com toda a sinceridade
Que te amo e juro, juro por tudo, que nunca me fizeste mal.
Gosto da forma como me consomes
E conferes algum sentido à minha existência,
Tornando-a menos insuportável.
A mim basta-me um sorriso teu, S.
Há dias em que coisa alguma, para além dessa, me devolve o meu.
domingo, 18 de maio de 2008
thai
15 Maio 2008
O que se passa? O que é isto?
Shiu. Não podemos falar alto. Acabámos de entrar num mundo mágico, onde a qualquer momento pode surgir um ruído que os teus ouvidos vão achar apaixonante. Não fales, não te mexas muito. Abre a mente. Sente. Sente.
Será que passaram horas? Minutos? Não sei precisar. Para mim pode ter sido há muito tempo ou pode ter acabado de acontecer, as duas perspectivas adaptam-se. Não me sinto. Não sei quem sou neste momento, nem o que estou a fazer cercada neste cubículo de quatro paredes, com pessoas que decidiram entrar neste mundo novo comigo. Elas não estão comigo, mas eu observo-lhes atentamente os movimentos, na expectativa de tentar perceber o que estarão a sentir, se de certa forma, poderei partilhar com elas os meus pensamentos.
Mas afinal, no que estou eu a pensar? Ora é a pizza que tenho nas mãos, ora é o cigarro que está dentro do maço pousado na bancada da cozinha. O meu olhar salta do amigo que está lá fora enrolado num edredon para o amigo que está deitado na cama a contorcer-se. Será dor? Não, eu que em cada minuto da minha vida carrego uma dor insuportável, hoje, neste momento que não sei dizer onde se situa no tempo, consegui libertar-me dela. A dor não existe, tal como o tempo. O que é o tempo? Desde que abri esta porta e a fechei atrás de mim, todos os relógios desapareceram. Todos os momentos que se passam no mesmo instante se dividiram em vários e formaram sub-tempos. E nos sub-tempos ainda se formaram tempos imaginários e viagens no tempo. Não faz sentido falar em tempo. Já fui até à minha infância e sonhei com o meu futuro, pensei em pessoas que não estão e observei outras através da janela, espreitei o que se passava na sala enquanto trocava um olhar inocente com o amigo que está lá fora. Tudo agora. Cada momento prevalece, cada momento tem a sua continuidade e fica guardado comigo para entretanto voltar a ser evocado. Eu nem sei em que tempo hei-de escrever isto. O passado, o presente e o futuro só servem para nos baralhar, eu estou a viver o agora e este agora engloba os três e não engloba nenhum. É tudo tão surreal, mas tão verdadeiro. Eu olho para eles e vejo seres tão autênticos que gostava de saber o que lhes vai na mente. Será que também já perceberam que o tempo não existe? Estão fartos de se cruzar comigo e não dizem nada, começo a sentir-me sozinha. Tenho que me concentrar numa das muitas ideias que me vão na cabeça e deixá-los pensar nas suas. O sofá da sala está tão bonito, nunca vi cor tão bela na vida. Apetece-me ficar lá sentada para sempre e fundir-me naquele vermelho tão reluzente, sem pensar em tempo nem dor. Deixar-me ficar, livre de tudo o resto, de todos os ideais impostos por quem nunca me conheceu, da minha rotina desgastante e das pessoas que dela fazem parte, das minhas obrigações, da pessoa que sou diante dos outros no mundo real, de ti... Apetece-me gritar de tão livre que me sinto, mas não vou gritar. Não quero perder nenhum ruído bonito vindo lá de fora ou mesmo cá de dentro. Não sei descrevê-la, mas está constantemente uma música a tocar-me aos ouvidos e é tão agradável, tão relaxante, que me sinto flutuar. Não sei que sensação é esta, mas é como atingir um patamar acima na escala dos mundos surreais. Apetece-me ficar neste mundo para sempre, mas lembro-me agora de que afinal não fechei a porta atrás de mim. Só a deixei encostada e vou ter que voltar para o mundo onde as cores não têm piada, nem existem músicas de embalar. Onde os relógios ditam o que fazer e as pessoas não têm em volta da face uma auréola recheada deste encanto inocente.
Voltei a sentir-me criança. Cada pedaço deste mundo parece estar encantado, o meu olhar saltita de uma coisa para a outra porque tudo parece ser mágico. Toco nas coisas com cuidado para que nada se estrague e deixo-me enfeitiçar por elas. Quero conhecê-las todas, quero poder absorver tudo à minha volta e estou quase a consegui-lo. Sabes, não fazes falta por aqui hoje. Estou livre, até de ti. É tão bom não sentir o sangue correr nas veias nem o coração bater e saber-se que se está em ebulição no âmago. Sinto pequenas explosões darem lugar no meu interior mas a superfície deste vulcão, constitui um corpo que enfim descansa das máscaras que há tanto tempo suportava. Nudez que aconchega, esta. Estou livre, tão livre. Até das máscaras, estou despida de tudo aquilo que de mau foi incutido em mim.
Abri a mente e senti, finalmente, o que é libertar-me de tudo. Posso dormir, agora. Está na hora de transformar as utopias do meu consciente no brinquedo desta noite para o inconsciente.
segunda-feira, 5 de maio de 2008
3, 2, 1...
Há duas semanas que não choro a tua ausência de dois anos, nem te mando nenhuma mensagem cuja resposta nunca obterei. E há precisamente sete dias estava em casa, em família. Hoje é Domingo e há umas horas estava sentada no último banco de um autocarro velho a pensar sobre a vida. Olha, amanhã por volta das 10h30 vou dançar valsa. Dentro de cinco dias serei maior de idade! Tenho precisamente um mês e meio para estudar matemática e tirar positiva no exame. A última vez que me apercebi de como é passar três dias sem droga já foi há mais de seis meses. Se tudo correr bem, no Verão terei a carta. Há quanto tempo não estás comigo? Exactamente 300 dias, mas ainda na Sexta te vi. Desde Agosto que não vejo a Anne, e a Véro morreu um mês antes. Há onze meses atrás ainda não vivia sozinha, há dois anos ainda tinha uma mãe que me acordava todas as manhãs e há treze um pai que via ao fim-de-semana.
São 15h27 de um Domingo sem sol. Onde estava eu a esta hora num Domingo de há dez anos? Casa dos avós provavelmente, a família toda reunida à excepção do pai. E há três anos? Contigo, na tua cama, talvez.
E hoje? Hoje será a mesma rotina de há meses: fumar, fumar, fumar, até não ter mais consciência de quem sou ou do que estou a fazer.
É isto que me vai na cabeça.
Quem é que se lembrou de inventar a merda do tempo e das datas e de tudo o que pressuponha uma contagem que nos conduz à demência de tanto pensarmos nela? É inevitável, parece que existe um registador automático dentro de mim, que de vez em quando soa um alarme para eu ir rever o que aconteceu na puta do dia em que troquei a família por ti ou no dia em que me trocaste por não sei bem o quê e eu substituí tudo e todos por um mundo que em vez de pessoas, tem substâncias químicas a tentarem ajudar.
quinta-feira, 10 de abril de 2008
Grito
A noite deita-se comigo
E é a tua ausência
Nua nos meus braços.
Experimento um grito
Contra o teu silêncio
Experimento um silêncio
Entro e saio
De mãos pálidas nos bolsos.
Pretextos para fugir do real
Alexandre O'neill
Não há sítio cá dentro que aguente mais conter este grito, mas também não há voz capaz de dar fim ao silêncio. Que fazer? Que dizer? Que esconder?
Gritar?
Calar o grito, de novo?
Escrever, escrever. Que o grito parece sair em surdina, mas pelo menos não mora cá mais.
Pudesse eu gritar a todos tudo o que está contido em mim, como o faço para a noite quando ela se deita comigo. Ela deve estar a chegar e quando chegar, não aquecerá a cama. Tornará ainda mais gélido o ar que me diz olá por de baixo dos lençóis. E eu gritar-lhe-ei para que me aqueça, apesar de saber que a sua única resposta será silêncio.
É por ter medo que me respondas da mesma forma que desisti de te gritar.
quarta-feira, 2 de abril de 2008
sábado, 22 de março de 2008
there's a natural mystic blowing through the air
Pensámos e falámos e discutimos e sonhámos. E conseguimos esboçar o nosso presente, misturado com aquele que seria o nosso futuro, cada um dos mais pequenos pormenores desenhados a lápis de carvão e tantas situações repletas de cor. O desenho ficou-se-me na memória. É impossível esquecê-lo, trago-o tão dentro de mim.
Quando observo a tela, resultado final de tantos e tão marcantes dias de trabalho árduo, sinto-me uma pintora importante. Pintámos um universo de tal forma surrealista, que me questiono se fomos alguém que se amou ou se fomos apenas um Dalí composto por duas almas que quiseram pintar um pequeno mundo só seu.
Fomos tudo, arrisco. E hoje nada mais somos que dois Dalís distintos que pintam universos inconciliáveis por não conseguirem mais ter ideias para um universo surrealista.
Hoje, és Picasso. Todas as tuas pinturas se cingem agora a formas geométricas, nas quais te fechas e escondes do mundo. As cores são vivas, como sempre gostaste de as usar e, nota-se que este teu novo quadro irradia felicidade. Lembra-te que se somos felizes, temos o dever de espalhar felicidade pelos outros. E dói como uma pincelada violenta saber que aquele que um dia foi o nosso desenho pintado de surrealismo se transformou para mim numa confusão de c0res vibrantes sem sentido, que por mais que tente, não consigo distinguir. Já não somos um Dalí. Se és Picasso, eu sou Kandinsky. Tudo é desconhecido. Só vejo cores sem nome, luzes encadeantes, ouço sons estranhos e toco em corpos que não o teu. Tudo é abstracto, tudo se mistura e já me perdi, não sei o que estou a pintar nem que tonalidades usar.
No meio de tudo isto, é bom saber que não estou só. O meu grupo de pintores acompanha-me. Amanhã partimos para uma exposição, e eu pensava, até há algum tempo, que tu me acompanharias e estarias a meu lado para não me enganar nas cores, nos traços, nos contornos. O meu grupo de pintores ajuda-me a pintar uma tela em cinco minutos, mas não estou certa de que gostarei do resultado final. A toda a hora sinto que o quadro vai cair e estragar-se, vejo as cores transformarem-se em seres palpáveis e asfixiarem-me na minha própria arte, acabando de vez com ela. Há dias em que eu própria quero que ela acabe, só me apetece arrumar os pincéis e as tintas numa gaveta e as ideias num baú inatingível para nunca mais pintar.
O ar fica pesado, fica tão pesado o ar. E o amarelo transforma-se em preto. E o azul transforma-se em preto. E todas as cores se transformam em preto. Uma névoa cai sobre o atelier e não sei o que fazer.
Não faço nada, porque arrumei as ideias, os pincéis e as tintas. Vejo-me cercada por essa névoa, que descubro ser fumo. E não sei como, porque as arrumei, as ideias surgem no meu cérebro como pequenas flores desabrochando na primavera. Que confusão de ideias! E saltam-me tintas e pincéis para as mãos. Pinto paredes, pinto telas, pinto folhas, pinto o ar. Não faço ideia do que estou a pintar, é o fumo que sai da névoa que manda. Quero parar, mas não tenho forças. E o meu grupo de pintores parece estar tão inspirado quanto eu. Todos pintam, mas não percebo o quê. Penso que nem eles próprios sabem o que estão a fazer. O meu corpo move-se por toda a galeria, mas sinto-o flutuar. Finalmente, termino de colorir esta pintura. Observo-a com atenção e não me surgem logo significados para as formas, para as cores, para os tamanhos das formas. No dia seguinte já não me vou lembrar de ter pintado esta tela, por isso não vale a pena preocupar-me com esses pormenores. Voltarei a pintar qualquer outra coisa e aperceber-me da dimensão abstracta que tudo o que eu pinto tem. Estou farta de fazer coisas sem sentido.
Quero voltar a ser Dalí. Não quero voltar a ser uma das duas almas do Dalí. Quero ser Dalí e deixar-te ser Picasso, sem me preocupar com o que pintas, sem me assustar com as formas geométricas que adoptaste para o teu estilo. Mas é terrível saber que no meu interior, estou sempre à espera de um workshop, de uma exposição, de um qualquer evento que nos junte, de uma manhã em que me acordes com pinceladas suaves.
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
E poder simplesmente ouvir
Os sons, os ruídos, as falas
Sem saber o que se está a sentir.
Não se perde tempo a pensar
Sobre o absurdo da realidade.
Apenas se tenta alcançar
O que em nós é verdade.
E tudo parece estranhamente
Simples, puro, tão natural.
E é então que, inconscientemente,
Se atinge um bem-estar geral.
Deixam-se de lado as más emoções
Porque pouco importa o que passou
E atormentou os nossos corações.
Só importa o que sou e onde estou.
Poderão existir aspectos negativos,
Mas a mim cabe-me apenas desfrutar
Dos intensos momentos imaginativos
Que a mente está a experienciar.
E deixar para trás o que fui contigo
E o que haveria de ser um dia.
Estou bem, tenho as drogas comigo
E aos poucos, deixo de sentir melancolia.
Esqueço-me do que outrora foi importante
Porque elas me permitem ter um presente.
Um presente vácuo, talvez inconstante.
Mas onde a raiva é inexistente e a dor não se sente.
sábado, 16 de fevereiro de 2008
liberu
E o que nos ficou não chega
Para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastámos as mãos à força de as apertarmos,
Gastámos o relógio e as pedras das esquinas
Em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
Era como se todas as coisas fossem minhas:
Quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
Porque ao teu lado
Todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário
Era no tempo em que os meus olhos
Eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
Uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
Já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
Tenho a certeza
De que todas as coisas estremeciam
Só de murmurar o teu nome
No silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
(Eugénio de Andrade)
Quero e não quero libertar-me de ti. Num passado recente, se me desses oportunidade para fazê-lo, implorar-te-ia para ficares comigo. Mas hoje não. Hoje cansei-me de ser triste por não ser feliz contigo. Hoje percebi que o passado não passará nunca de uma armadilha que nos influenciará no futuro e eu jurei que não voltarei a cair nela. Hoje não sinto a tua falta. Mesmo que seja só hoje, não importa. O hoje tanto pode ser o primeiro como o último dia em que não sinto a tua falta. Veremos. Por agora meu amor, vou simplesmente deixar-te ir.
Não é um adeus, é um espero por ti. Mas espero feliz, sem ti.
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
melodia ao amanhecer
Abraça-me. Gostava que ficássemos assim para sempre, mesmo que esteja certa de que o para sempre não existe. Aliás, se repararmos bem, o tempo não existe, é apenas mais uma das nossas invenções complicadas. O teu calor faz agora esquecer-me de todas as noites frias que passei sem ti. Há tanto tempo que não me permitias sentir-te, cheguei mesmo a julgar que também tu tinhas sido uma invenção minha. Mas hoje está tudo bem, estás aqui comigo.
Da minha varanda não se vê o mar, mas neste momento nós conseguimos visualizá-lo. É tão bonito, o mar. Tu gostas dele a cair para um tom mais esverdeado, eu gosto dele bem azul.
Hoje o mar está azul-esverdeado. E reflectem à tona da água muitas outras cores, porque o arco-íris resolveu maquilhar o céu. Ao canto, espreita um raio de sol.
Permanecemos em silêncio, ao observarmos tudo isto. Mas já não é aquele silêncio que fez parte de nós durante tanto tempo sempre que nos cruzámos numa qualquer rua desta cidade. O silêncio que me indicou o caminho para a decadência e que a ti, te levou a adoptar a indiferença.
Permanecemos em silêncio porque hoje voltámos a escutar o bater dos nossos corações. O teu, o meu, o teu, o meu. Bem sincronizados, tocam num ritmo melódico que nos delicia e rouba dos nossos dicionários mentais as palavras que poderíamos usar neste momento.
Deixo a mão cair sobre o teu peito e sinto a beleza de uma melodia palpável. Espalha-se-me no corpo e na alma uma sensação de paz e de plenitude que só tu me consegues proporcionar e que eu já me tinha esquecido de como era bom atingir.
Não pronuncio qualquer palavra, mas tu sabes que te estou a pedir desculpa. Por ter achado que devias atingir a perfeição, quando o meu lado racional sempre me disse que esse conceito não passaria nunca de uma mera ilusão. E tu também não dizes nada. Mas eu sei que me pedes perdão, por te teres absorvido de tal forma na tua felicidade que nunca te preocupaste com a minha e por teres destruído, pouco a pouco, tudo aquilo que fazia de mim uma pessoa feliz.
Perdoamo-nos e nada mais importa. Somos livres, agora. Somos livres para nos amarmos, sem promessas, sem utopias que nos conduzam à demência, sem arrependimentos do passado, sem tentativas de alcançar a perfeição, sem nos preocuparmos com as opiniões dos outros. E por hoje, sem conversas nem sequer o uso do verbo amar.
Apenas este nosso abraço e a melodia dos nossos corações em uníssono.
Como fundo, o mar azul-esverdeado. E o raio de sol que a esta hora já se multiplicou em tantos outros.
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008
o comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada.
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada (...)"
Fernando Pessoa
(música: Zeca Afonso)
É tão bom ser-se criança. Escola, professor, papá, mamã, mano, amiguinhos. O que era a minha vida senão isto? Sim, muito mais. Futebol e pão com manteiga nos intervalos, parque nos dias de sol, leitura no quarto nos dias de chuva, trabalhos de casa, composições, contas de somar e multiplicar, ditados (zero erros!). Mais nada? Sempre fui a rainha dos puzzles e cartas, mas o meu irmão ganhava-me ao jogo dos países. Carrinhos na carpete com parques de estacionamento imaginários, desenhos animados na tv antes da hora do jantar, jantar na mesa, quatro pessoas, uma família. Isto já era só de vez em quando, mas a memória do que se passava esporadicamente também permanece. E lembro-me tão bem de ouvir esta música numa sala da escola do Bairro da Ponte. Se puxasse pela cabeça, talvez conseguisse enunciar o nome de todos os que faziam parte da turma. Achei tanta piada à letra que andava sempre a cantá-la por casa. E no moinho. E em casa dos tios.
E nas férias do verão a tia levou-me uma semana para casa dela em Lisboa para andarmos de comboio e passámos nas paragens todas do poema. Queluz, Cruz Quebrada, Palmela... Ah, a tia não quis ir até Portimão! Mas corremos da Baixa até ao Chiado, deambulámos pelas ruas mais antigas e olhámos através das portas dos pequenos comércios, sentámo-nos no Cais a comer um gelado e percorremos num ápice a subida de volta aos armazéns para ela comprar algo de que se tinha esquecido. E no ano seguinte lá voltei uma semana a Lisboa para visitar a Expo. Era tudo tão simples. E um ano parecia durar uma década, havia tempo para tudo, até para se ser feliz.
Já só ouço gargalhadas, não as dou. Porque percebi que rir por ver rir os outros, não tem assim tanta piada. E cheguei à conclusão de que a minha vida é exactamente como o comboio: descendente.
sábado, 2 de fevereiro de 2008
voyage, voyage
Eram tão puros e autênticos aqueles sorrisos que nos ofereciam sem que nada déssemos em troca, como o eram o verde da vegetação e o aroma indiscritível que nos circundavam por todos os lados. E ao caminhar na areia macia de mão dada contigo, entrelaçando os meus dedos nos teus, tive a sensação de que experienciava uma vivência que jamais viria a repetir-se, tive a certeza de que seria impossível que voltássemos a sentir um aconchego semelhante ao que o calor mútuo dos nossos corações ali nos oferecia.
A pobreza extrema daquele povo quase que se tornava insignificante de tão preciosas que eram aquelas crianças e, mesmo que a sua cultura e a sua sabedoria fossem praticamente inexistentes, a bondade que deixavam transparecer superava em tudo um diploma de uma qualquer universidade do mundo em que nos inserimos. Prometeste-me num dos nossos muitos passeios pelas aldeias daquela região, em que parávamos de porta em porta para distribuir alimentos a meninos cor de chocolate, que um dia regressaríamos para trazermos uma daquelas preciosidades connosco. Quero acreditar que pelo menos essa promessa cumprirás.
Fiquei fascinada e tu também, quando me deparei com aquelas palhotas que serviam de casas e senti-me ridícula por termos um plasma na nossa sala de estar, que comprei mesmo sabendo que nem tu nem eu apreciamos ver televisão. Foi um embaraço para o nosso egoísmo, que serviu para nos abrir a mente e transmitir-nos o altruísmo necessário para que um dia possamos afirmar que fomos muito mais do que um amor incompreendido, que soubemos fazer bem mais do que viagens para suavizar os sentimentos de revolta que a nossa sociedade nos provoca, que aproveitámos essas viagens como prolongamento do nosso amor e, que lutámos por partilhar com essa gente tão genuína espalhada por esses confins de mundo, o que de melhor somos em conjunto.
Longe de todo o nosso quotidiano habitual, fui contigo nada mais do que aquilo que todos os dias tento, em vão, ser na nossa cidade: metade de ti, a eterna e inalterável beleza do teu ser.
E foi assim, que durante seis maravilhosos dias, observámos o inigualável pôr-do-sol em África. Afinal sempre era verdade tudo o que tínhamos lido e ouvido sobre ele. E não existirão nunca, palavras dignas de descreverem os sentimentos proporcionados por aqueles fins de tarde, coloridos de uma tonalidade laranja e de outras cores sem nome.
Durante aqueles dias, foi-me possível esquecer a vacuidade que, constantemente me assola a alma. Rendi-me à plenitude que, momentaneamente o meu âmago abraçou.
Esta seria a viagem da minha vida, não fosse ela, apenas fruto da minha imaginação. Mas todos temos aquela a que chamamos a nossa viagem de sonho. E dizem por aí, que o sonho comanda a vida.
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
uma palavrinha aos fiéis (per)seguidores da minha vida
Quando recebi aquelas mensagens, o meu coração disparou tão fortemente que não consegui pensar em nada. Ao fim de uns minutos lá corri para a cozinha em busca de victans, que engoli mesmo sem beber água. Mas meia dúzia de horas depois, continuo num profundo estado de inquietação e nervosismo.
Qual é a necessidade de as pessoas interferirem na minha vida quando ela é apenas e somente minha? Não seríamos todos mais felizes se nos limitássemos a viver as nossas? E não me venham dizer que é por se preocuparem comigo. Não é. Se alguém nesta família se preocupasse mesmo comigo, já se teriam apercebido de que sou uma farsa e que vivo numa depressão constante que me impede de ser feliz. Ainda ninguém reparou.
Para o caralho, é o que eu vos digo. Cambada de cínicos e invasores de privacidade que só servem para atrapalhar a minha vida e deixar-me ainda mais perturbada do que já estou. Do que já sou.
Será que o meu aparecimento nas vossas vidas veio causar-vos assim tanto transtorno que agora mereça que me tratem desta forma? Nunca nenhum de vocês me aceitou como sou. Talvez seja porque eu vejo para além do que vos é perceptível, tenho uma noção tão pura e genuína de tudo que assuntos e futilidades alheias me transcendem.
Façam-me o favor de lutarem pela vossa felicidade e de me deixarem alcançar a minha livremente. Ainda não perceberam que nesse aspecto nada do que possam fazer me vai ajudar? Burros. Sempre achei que não pertencia a esta família, quiçá, a este mundo. Agora não me restam quaisquer dúvidas.
Um dia, hei-de fugir para outro planeta.
Ainda há lugares disponíveis na nave, para quem manifestar coragem e ousadia necessárias de deixar para trás esta vida dominada por gente que se acha superior, mas que no fundo, não passa da verdadeira escumalha da sociedade. A escumalha para mim não é aquela tipicamente referida ralé que engloba os que roubam, os que desafiam a lei, os que não têm um qualquer estatuto importante, os que são diferentes. A escumalha são aqueles que têm palas a tapar os olhos e que não se interessam nunca por aqueles que, ao contrário de si, têm uma mente aberta e disposta a aceitar que o correcto não é o que está escrito ou nos é dito desde que nascemos. O correcto é vivermos com o único propósito de alcançarmos a felicidade e de a proporcionarmos aos outros, mesmo que isso vá contra as leis deste mundo tão supérfluo e recheado de inúteis.
Já esvaziei para aqui os sofocos do dia de hoje. Agora rio-me, chego mesmo a achar piada a isto tudo. Porque a escumalha preocupa-se tanto com o que é correcto, que nunca chega a ser feliz.
Mas eu? Estou certa de que um dia o serei.
segunda-feira, 21 de janeiro de 2008
diálogo I
Eu: Gostas de mim?
Tu: Também. Para além disso, amo-te.
Eu: Amar significa que serias capaz de morrer por mim?
Tu: Não sei. Mas sei que te amo porque vivo por ti. Porque todos os dias acordo e me deito contigo no pensamento, todos os dias é a tua mão que a minha busca incessantemente, todos os dias desejo ter-te só para mim. E o mais estranho, é que mais nada neste mundo me interessa para além de ti, tu fazes-me feliz e isso é tudo o que eu quero.
(Pausa. Os nossos olhares ficam, momentaneamente absorvidos um no outro e, desenha-se-me um sorriso na face.)
Tu: E tu, morrerias por mim?
Eu: Só sei que morreria sem ti.
2008 - maintenant
Morri, então. Isto que aqui anda, que todos vêem e com quem todos falam, não é nada mais do que um simples corpo a quem tiraram e mataram a alma. A quem tu tiraste e mataste a alma, quando deixaste de viver por mim.
domingo, 20 de janeiro de 2008
foz do arelho

Passados precisamente três anos, voltei a observar o pôr-do-sol sentada naquela rocha, com os pés caídos no vazio.
Aquela será para sempre a praia da minha vida, mesmo que não seja a mais bonita que conheço, porque a beleza não está no que é visível. A beleza está no que se vive, no que se sente, no que se experiencia.
Aquela rocha elevada, a melodia do bater das ondas na areia, a temperatura amena e desadequada para esta altura do ano e, finalmente, o pôr-do-sol por que tantas horas esperei ali sentada acompanhada por um livro e uns quantos cigarros, fizeram-me reviver tudo.
Chorei em silêncio, obrigando o meu olhar saltitar dos pescadores que se encontravam no outro extremo da praia, até à linha do horizonte entre o céu e o mar, na tentativa de me abstrair do terramoto interior que me assolou despertando todos os meus sentimentos por ti que guardo sempre comigo, na ânsia de que um dia os queiras de volta.
Apeteceu-me morrer ali naquela praia, onde me prometeste que o nosso amor seria eterno. Onde me beijaste e amaste e sorriste. Onde me fizeste sentir plena, feliz, realizada. Chorei mais um pouco para me libertar do peso que ocupas cá dentro. Quis sentir de novo tudo o que me proporcionaste naquele sábado de Janeiro de 2005, quando me sentei contigo naquela rocha, com o mar e o céu e o sol como cenário de fundo. O mar, o céu e o sol estavam lá hoje. Mas tu não.
Quando o sol começou a descer e a metamorfose do amarelo para laranja se deu, não resisti. Gritei. Gritei muito. Já não estava sentada na rocha, subi apressadamente o resto da arriba e deixei-me ficar de pé no seu topo. O meu grito ecoou por toda a praia e desapareceu segundos depois, sendo substituído pelo som do mar inquieto e violento. Quis atirar-me do cimo da arriba e entregar-me às revoltadas águas do mar, quis ceder e cair no abismo em que me encontrava. Em que me encontro.
Mas não o fiz.
Gostava de ser uma daquelas pessoas que têm a coragem necessária para pôr fim à vida, mas não o serei nunca. Devem ser esta expectativa infundada do teu regresso, o desejo de voltar a ser tua e de te dar tudo de mim, as recordações da perfeição que contigo alcancei que alimentam a minha esperança de que um dia esta demência em que vivo acabará e me voltarás a amar, a hipótese de que o meu amor por ti morreria com a minha morte física, que me fazem não querer desistir.
À medida que o sol se pôs, fui descendo a arriba. Toquei com os pés na areia, observei o céu, pintado de uma mistura de laranja e cor de rosa, as nuvens que passaram de uma tonalidade branca para essa mescla indiscritível de cores. A minha mente foi, de novo, invadida por inúmeros flashbacks do nós que tu resolveste matar e enterrar e, que me matou a mim também.
O sol pôs-se, deu lugar à lua. É noite. Tenho medo da escuridão. Tenho medo da quietude que me provoca tamanha agitação no interior.
No caminho de regresso a casa, não tocou na rádio, a mesma música da outra vez. Nem senti a tua mão acariciar a minha. Sinto tanto a tua falta, a falta do teu toque.
A morte não poderá, certamente, ser pior do que uma vida sem sonhos. Mas se eu me atirasse para um qualquer abismo, morreria comigo o amor que sinto por ti. Morreria o que de mais belo e magistral consegui criar e sentir nesta vida.
Perdoa-me, mas ao contrário de ti, não seria nunca capaz de matar um sentimento como o amor. Como este nosso amor.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2008
That's all I ask of you. Is that too much?
Não é nada de mais, não te preocupes. Antes tinha por hábito pedir-te o mundo, mas já me deixei disso. A sério. Acredita em mim, não me olhes dessa maneira. É só um favorzinho que não te vai custar nada, nem te prejudicará de forma alguma. Achas que eu alguma vez, nesta vida, iria querer prejudicar-te? Claro que não, eu amo-te! Ups, já disse o que sei que não deveria dizer. Mas às vezes sai-me, não consigo evitar. Então? Escusas de olhar para mim como se eu fosse uma criança que tivesse acabado de dizer um perfeito despautério! Não te estou a pedir para olhares para mim como olhavas antes, mas olha para mim como olhas para as outras pessoas todas. Afinal não é isso que eu sou? Uma pessoa como todas as outras na tua vida? Então mereço igual tratamento. Anda lá, não faças a minha consciência sentir que deveria escrever cem vezes "Não voltarei a dizer que te amo".
Ah, o favor! Já me esquecia. Estás a ver? És uma pessoa tão complicada que me obrigas a divagar e eu acabo sempre por me perder e ocupar muito mais do teu tempo do que aquilo que inicialmente tenciono ocupar. E depois evitas-me porque me achas chata e dizes que estou sempre a bater na mesma tecla e que deveria parar de ser infantil. Mas tu não és completamente inocente! Tens a culpa de me fazeres sentir assim. Porque me prometeste tudo e agora não me dás nada. Ah pois, ao menos reconheces que erraste ao prometeres isso. Mas sabes aquilo que se diz de "Errar é humano, cometer o mesmo erro duas vezes é burrice." ? Não devias ignorar-me quando eu te aviso de que estás a cometer o mesmo erro que cometeste comigo. É mais forte do que tu, eu sei, é como aquilo que eu há pouco disse e não deveria ter dito, mas temos de lutar contra essas vontades, contra esses sentimentos que nos podem levar a nós e aos outros à destruição.
Bem, já te estás a aborrecer com a minha conversa e está a começar a chover, ainda tenho de percorrer meia cidade a pé até chegar a casa, por isso vou então, pedir-te o favor.
Achas que, podias, esporadicamente, sorrir para mim?
Eu não peço todos os dias, não peço um sorriso enorme como aquele que se esboçava na tua face de cada vez que me vias, antigamente. Um sorriso, apenas um sorriso de vez em quando! Pode ser um sorriso pequenino. Pode ser até um sorriso triste, se é esse o sentimento que te invade quando me vês. Não quero é cá sorrisos forçados!
Dizes que não? Está bem. Eu tentei. E continuarei a tentar até que um dia sorrias para mim. Vai lá para casa, não quero que apanhes chuva. Não te despedes de mim com dois beijinhos? Hoje nem estou com herpes! Ah, dois beijinhos e um afagar nos cabelos para me despachares. Vá, até amanhã.
Oh, agora interrompes-me quando eu já vou a meio da subida e com esta chuva toda que está a cair! O que é? Diz lá. Ahm? Não te ouço, grita! Deixei cair o maço? Ah! Espera aí. Olha, agora quem caiu fui eu. Epá, fiquei toda molhada! Que chatice, ainda por cima o maço também caiu numa poça e nem um cigarro se aproveita. O quê? Sou parvinha?? Nem me ajudas e eu é que sou a parva!
Estás a olhar para mim. E... estás a sorrir.
Sempre gostaste de me ver chateada? Que todas as minhas chatices fossem quedas e maços de tabaco em poças. E sabes, eu hoje já ganhei o dia!
Até me deste vontade de fazer a subida a correr. O teu sorriso é tudo.
sábado, 12 de janeiro de 2008
o jim é que sabe.

Se eu não sentisse dor, não escreveria. Ninguém conseguiria escrever uma obra, ninguém seria capaz de compor uma música. A arte simplesmente não se criaria.
Se a dor não existisse, não perderíamos tempo a escrever ou a compor, porque não iríamos precisar de exteriorizar sentimentos que nos destroem, sem dor dificilmente haveria destruição. E dos sentimentos que nos preenchem não vale se quer a pena falar, porque esses gostamos de mantê-los cá dentro, de usá-los para aquecermos as nossas almas.
Aprendi a carregar a minha dor através da escrita, porque não me atrevo a falar dela e penso demasiado nela para querer escondê-la. A minha dor é parte de mim. A minha dor é real. E sei que só me libertarei desta minha dor, quando morrer.
Será por saber que me verei livre dela, que não quero morrer?
- Tu sabes que é, afirma a vozinha quase inaudível do meu consciente (utópico).
quarta-feira, 9 de janeiro de 2008
o miles, o coltrane, o charlie, o louis, a ella, what a wonderful world.
O importante é mantermos o controlo sobre a situação, sempre disse o pai. Eu já aprendi a controlar os sentimentos despertados pela música. Mas o jazz... O jazz, continua a ser aquela mescla de suavidade e nostalgia, de tristeza incompreensível e ataraxia imbatível. Ai, sabe tão bem ouvir sem saber o que se sente de tão numerosos que são os sentimentos, achar que reencarnei por estar certa de que vivi naquele tempo, de que experienciei aquelas vidas, de que fui um Louis ou uma Ella, de que fiz parte de um quinteto como o Coltrane e o Miles, parece que me lembro de emergir de New Orleans para New York num instante, aiii os loucos anos 20 e depois os sensuais 50, prémios entregues pela Marilyn e pelo Dean, actuações em bares nocturnos de ruas movimentadas, aquela sonoridade que invadia as mesmas, ambientes de fumo e mulheres emancipando-se, cheiro a Chanel nº5...
Se existisses, Deus, deixar-me-ias viver tudo isto, autorizar-me-ias a sentir o jazz onde e quando ele verdadeiramente foi jazz, quando a música não era cantada, mas sim melodizada, quando o reino dos pássaros era título de música e a sensualidade não se avaliava pela futilidade dos corpos, mas antes pelo sentimento ínclito e invulgar da arte.
sábado, 5 de janeiro de 2008
pas de promesse à l'éternel
os nossos corpos aconchegados um no outro. O teu quarto tinha aquele cheiro de que não me recordo mas que reconheceria perfeitamente caso me deparasse com ele, cheirava a ti. Eu é que não me deparo contigo há muito tempo, tu foges.
Lembro-me tão bem de repetires vezes sem conta, que poderias morrer ali, naquela cama comigo, porque morrerias feliz. Éramos tão crianças, não éramos amor? Mas eu gostava tanto, tanto de ti. E dizia que sim, que poderíamos morrer ali naquele momento.
Foram tantas as vezes que conversámos sobre a nossa vida futura. Os nossos bebés, a nossa casa, as nossas viagens... E eu queria que o tempo parasse, para poder ficar ali contigo o tempo que quisesse, mas antes do almoço tinha sempre que deixar-te. Ficavas à varanda a dizer-me adeus e a mandar-me mensagens a dizer que me amavas, até que eu desaparecesse escondida pelos primeiros prédios daquela subida que eu só gostava de fazer depois de ter estado contigo. Agora faço-a todos os dias arrastando os pés e desejando que o cigarro dure até ao final da rua, para não me sentir sozinha. E o pior, é que já te vi naquela tua varanda a fazeres a outra pessoa o que fazias comigo.
À noite, quando te deitavas, dizias que a tua cama cheirava a mim e eu ficava contente. Sentia-me tão amada e parecias ser tão feliz comigo, que mais nada importava.
Não deverias, nunca, ter-me prometido que seria para sempre.
Se soubesses como são amargas agora, as minhas manhãs de sábado...
domingo, 16 de dezembro de 2007
ironia natalícia
As pessoas agrupam-se em multidões pelas ruas, em que soam os mesmos cânticos de sempre, provenientes de colunas que na minha opinião não deveriam estar espalhadas por toda a cidade, muito menos à porta do meu prédio. As lojas vêem-se invadidas por essas multidões, parece que toda a sociedade decidiu sair de casa na mesma altura, as crianças correm de loja em loja exigindo toda uma quantidade supérflua de brinquedos, os adultos encontram conhecidos e acabam por demorar uma tarde a escolher algo que encontrariam numa hora, não fossem as interrupções findadas pela expressão “Boas festas”.
É verdade, mais uma vez é Natal. Afinal, o que é esta quadra senão o repetir de tarefas, ano após ano, em que nos encontramos mais velhos e em que também consumimos mais que no último? Ora, vejamos... Prenda para a mãe, para o pai, para o irmão, para os tios, para os primos, para os primos desconhecidos, para a vizinha, para os amigos, para a irmã do namorado, para aquela enfermeira simpática que tratou do avô no hospital, para o senhor do café da frente... ah, e claro, para o cão e para o gato, que também merecem e conhecem perfeitamente o significado da quadra natalícia! A juntar aos presentes, o bolo rei (e o rainha!), as filhoses, os sonhos, os frutos secos e mais uma quantidade ridícula de alimentos, que enchem as mesas das casas dos ricos e dos não tão ricos também. E é claro que como é Natal, se torna impensável comer bifes ou pizzas. Vamos lá comprar então o perú, o bacalhau e o cabrito que enchem mais o olho. Também demoram uma tarde a ser confeccionados, mas não faz mal, até vale a pena, afinal é Natal e fica bem para as visitas.
Não vamos à igreja? Não acreditamos em Cristo nem no S. Nicolau nem nos santinhos todos? Atrevemo-nos a dizer que somos ateus? Não há problema, o Natal é para todos. Mesmo que a base de toda esta quadra resida aí, sim, mesmo aí, na religião, na igreja, no S. Nicolau, no Cristo, o que interessa se acreditamos ou não? É giro celebrar porque é Natal, porque vamos receber e dar prendas e andar pela rua e ver gente e comer bem e ouvir as mesmas musiquinhas de sempre, não pelo que nos é transmitido pela história, ora essa!
E se entramos em casa para nos refugiarmos da onda que anda lá fora, a coisa ainda pode piorar. Ligamos a tv e oh, anúncios a brinquedos, programas do tipo “Natal nos Hospitais”, sketches dos famosos a desejarem um Feliz Natal, filmes natalícios, há muito para escolher. Hum, cansados de tv, clicamos no play do rádio e, mais uma vez, como se não bastasse a coluna que está à porta do meu prédio e todas as outras espalhadas pela cidade, lá se vai ouvindo o “Santa Claus is Coming to Town” ou o “Last Christmas”. Mas são músicas tão giras, não são? E ficam no ouvido, que engraçado!
Não neva na nossa cidade nem nos arredores? Poderia ser um problema mas não é, ah ah! É que estamos tão bem financeiramente, que nos damos ao luxo de ter pistas de gelo, rampas de ski, tudo com neve artificial... Mas parece verdadeira! E se não temos programa para a tarde de amanhã, porque não dar um salto à Vila Natal em Óbidos? Centenas ou milhares de pessoas devem estar a ter a mesma ideia, mas é Natal, por isso nem custa tanto estar na fila à espera para pagar 5€ e entrar.
Os amigos desaparecem todos durante dois ou três dias. Sim, o Natal é para passar em família, nesta altura pouco importam os problemas da herança do tio-avô que morreu, o adultério da prima, a mudança de casa do irmão... É só sorrir, dar e receber em troca. E olha que boa altura para sermos altruístas e solidários e dar a comida que sobrar aos sem-abrigo, para terem um Natal mais recheado! Mas só porque é Natal. Eles no resto do ano não precisam, é por isso que não lhes damos nada.
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
would you go to bed with me?
O sexo em si, é um acontecimento repugnante. Os humanos transformam-se em animais do mais puro irracional que exista, o sentir sobrepõe-se ao pensar e nada mais importa para além do prazer físico, vamos lá trabalhar para atingir o clímax e terminar a coisa, é o único pensamento que nos ocorre.
O sexo associado ao amor, sim, é o que de mais belo e único há na vida. Não são apenas corpos, são almas. Não são apenas órgãos genitais, são dois corpos distintos que se complementam. Não é a busca incessante do prazer físico, mas sim um importante contributo para o bem-estar psíquico. Não é um estranho que olha com prazer para o corpo do outro, mas dois amantes que observam para lá do que é visível. Não é, de todo, um comportamento individualista que visa a obtenção da satisfação pessoal, mas antes uma partilha de sentimentos que proporciona um contentamento mútuo. É a reciprocidade de quem se ama.
Deixemos a repugnância do sexo para os animais.
Façamos amor, portanto.
domingo, 25 de novembro de 2007
and you can tell me your reasons but it won't change my feelings
Poderás até mencionar as razões que te levaram a deixar-me neste abandono sem fim e farás parecer com que a culpa seja totalmente minha. Não sei se foi, mas as tuas razões não serão nunca suficientes para eu deixar de sentir o que sinto por ti. Apraz-me saber que não morrerei por inteiro sozinha. Levarei comigo aquilo que também decidi roubar-te: o teu amor por mim.