sábado, 16 de fevereiro de 2008

liberu

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
E o que nos ficou não chega
Para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastámos as mãos à força de as apertarmos,
Gastámos o relógio e as pedras das esquinas
Em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
Era como se todas as coisas fossem minhas:
Quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
Porque ao teu lado
Todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário
Era no tempo em que os meus olhos
Eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
Uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
Já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
Tenho a certeza
De que todas as coisas estremeciam
Só de murmurar o teu nome
No silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.
(Eugénio de Andrade)



Quero e não quero libertar-me de ti. Num passado recente, se me desses oportunidade para fazê-lo, implorar-te-ia para ficares comigo. Mas hoje não. Hoje cansei-me de ser triste por não ser feliz contigo. Hoje percebi que o passado não passará nunca de uma armadilha que nos influenciará no futuro e eu jurei que não voltarei a cair nela. Hoje não sinto a tua falta. Mesmo que seja só hoje, não importa. O hoje tanto pode ser o primeiro como o último dia em que não sinto a tua falta. Veremos. Por agora meu amor, vou simplesmente deixar-te ir.

Não é um adeus, é um espero por ti. Mas espero feliz, sem ti.