terça-feira, 16 de outubro de 2007

o refúgio das noites de sobressalto

Fico de pé e observo o céu por momentos. Acendo um cigarro e sinto o alívio da nicotina percorrer-me o sangue, consciente do fumo que se instala nos meus pulmões. Passam das três da manhã, tenho aulas amanhã. Mas o calor dos lençóis tornou-se desconfortável e um sonho a roçar o pesadelo impediu-me de continuar no sono intraquilo que me foi destinado para esta noite. Consigo ver luz em três janelas, o que estarão a fazer pessoas acordadas a esta hora? A ver televisão, talvez. E eu que não ligo a minha há meses numa tentativa desesperada de me isolar do mundo. Parece que quanto mais tento, mais ele me invade e se torna perturbador.
A chuva cai, mas não sinto frio. A minha mão treme um pouco ao levar o cigarro à boca, deveria ter jantado mas a fome não apareceu hoje. Conto pela primeira vez o número de palmeiras existentes na rua e fixo de novo o meu olhar no céu. Não há estrelas, pelo menos eu não vislumbro nenhuma. A lua está pintada de um branco brilhante e surge com uma forma diferente que da última vez que a observei. Já não há tabaco no cigarro, atiro-o e ouço-o cair na calçada suja, vendo faíscas saltarem apenas por um segundo. Uma calma desnorteante consome-me agora, a cama espera-me mas não quero lá deitar-me. Percorro com o olhar a sala, admiro a desarrumação em que se encontra. Visito os outros quartos da casa, vazios e frios. Há muito que ninguém ocupa estas camas, nem se olha a estes espelhos. Regresso ao meu quarto, sinto-o vazio e frio como os restantes, embora eu aqui pare todas as noites procurando descanso da vida que tanto me exausta. Há tantos livros nas estantes, tantas fotografias nas paredes. E eu continuo a achar a minha vida algo de inane. Pouso o meu olhar numa fotografia em particular. Numa das nossas fotografias. Se ao menos tu não tivesses saído da minha vida deixando apenas vacuidade, se ao menos eu pudesse ter-te na cama à minha espera... Talvez os sonhos não fossem pesadelos, talvez às três da manhã eu pudesse estar adormecida num sono profundo e sossegado, talvez não necessitasse de um momento com o cigarro na varanda para me acalmar, um beijo teu bastaria.

O teu corpo seria apenas o refúgio da minha alma inquieta, se não quisesses nada mais que isso.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Francisco

Poderias ser o homem da minha vida, neste momento. Não o és, porque não queres, porque não sabes dar aos outros sem, primeiramente, pensares em ti, na tua satisfação pessoal.
Em muitos aspectos, és igual a mim. Gostas de ver séries e filmes, fumas ganzas, consideras-te inteligente, sabes escrever, és um idealista que prefere excluir a realidade e achar que tudo tem que acontecer como tu o planeaste, vives com aquele a que eu gosto de chamar de síndroma do dependente da depressão.
Mas tu exageras em tudo isso e eu não. E acho que é por isso que tantas vezes nos desentendemos. O facto de achares que és mais inteligente do que eu e que tens sempre razão, tira-me simplesmente do sério. E as tuas teorias machistas só me fazem querer bater-te até abrires essa mente que é tão à frente para algumas coisas e tão retrógrada para outras. Eu gosto mesmo de ti. Não te quero mudar, porque não tenho esse direito, mas tu podes mudar e acho que devias fazê-lo. Sou tua amiga, como poucos o serão e sei que esta nossa relação durará para além da adolescência, para lá da distância, independentemente de tudo o que esteja para vir e atravessar-se nas nossas vidas. Porque uma pessoa interessante como tu nesta cidade, nunca encontrei. Mas és homem. E pensas demasiado com a cabecinha de baixo. Para além de achares que amas. Esqueceste-te de que apenas alguns homens têm a capacidade de amar e esta só se demonstra depois de uma certa idade. Tu ainda não a atingiste, mas quando atingires talvez eu esteja à espera, para te congratular. Porque tu vais ser dos que amam, só não devias era querer viver tudo agora e amar sem teres capacidade para isso.