Como a vida é irónica! Durante meses deixei-me invadir pela angústia de um tic-tac apressado que certamente ditaria o fim de alguma coisa. Mas nunca pensei que quando o ponteiro acabasse de dar a sua volta, não se ouvisse mais tic-tac algum. Agora passeio por ruas que de uma ponta à outra são ocupadas por montras com relógios, enfio-me num Jardin Anglais que tem um relógio feito de flores, deparo-me com cartazes coloridos por letras grossas que compõem a expressão "Cité du Temps", as pessoas correm todas para um qualquer lugar arregaçando a camisa para darem uma olhadela no pequeno objecto que lhes veste o pulso. E eu, não ouço tic-tac nenhum. Não trago no pulso relógio algum. A agenda, está por estrear. Não importa se o mês que se segue é Outubro ou Novembro, nem quanto tempo falta para o Natal. Não corro para lado algum, não tenho quem me espere numa qualquer ponta desta cidade, nem te tenho comigo a dar pelo tempo passar, ouvindo um tic-tac que desta vez não seria angustiante, mas antes um tic-tac esperançoso, ansioso por um reencontro. Pouco importam os reencontros, agora. E de cada vez que um tic-tac acaba, nasce um novo para alguém. Aposto que a esta hora já sentes o ponteiro avançar. Comigo nunca é assim, há tic-tacs que se eu pudesse, faria com que durassem uma vida, mas como ninguém controla o tempo (ele nem existe!) vejo apenas o ponteiro ficar parado no sítio em que ele escolheu deixar de tic-tacar.