Oh my jazz! A ambiguidade da música é algo de tão extraordinário. Como é possível que, por vezes, o seu efeito seja tão terapêutico e o melhor de todos os antidepressivos e, que noutras, se manifeste de tal forma devastador, que a nossa única vontade seja de partir as colunas para não ter de recordar as vivências de um passado feliz, só por ouvir o piano, o saxofone ou a bateria?
O importante é mantermos o controlo sobre a situação, sempre disse o pai. Eu já aprendi a controlar os sentimentos despertados pela música. Mas o jazz... O jazz, continua a ser aquela mescla de suavidade e nostalgia, de tristeza incompreensível e ataraxia imbatível. Ai, sabe tão bem ouvir sem saber o que se sente de tão numerosos que são os sentimentos, achar que reencarnei por estar certa de que vivi naquele tempo, de que experienciei aquelas vidas, de que fui um Louis ou uma Ella, de que fiz parte de um quinteto como o Coltrane e o Miles, parece que me lembro de emergir de New Orleans para New York num instante, aiii os loucos anos 20 e depois os sensuais 50, prémios entregues pela Marilyn e pelo Dean, actuações em bares nocturnos de ruas movimentadas, aquela sonoridade que invadia as mesmas, ambientes de fumo e mulheres emancipando-se, cheiro a Chanel nº5...
Se existisses, Deus, deixar-me-ias viver tudo isto, autorizar-me-ias a sentir o jazz onde e quando ele verdadeiramente foi jazz, quando a música não era cantada, mas sim melodizada, quando o reino dos pássaros era título de música e a sensualidade não se avaliava pela futilidade dos corpos, mas antes pelo sentimento ínclito e invulgar da arte.