Senta-te comigo neste cantinho de varanda. Sabes, as noites têm sido frias sem ti e esta varanda tem sido minha amiga. Quando os sonhos são demasiado assustadores ou o meu corpo rejeita o conforto da cama, venho sempre aqui parar. Mas hoje não estou só e é tão bom não estar só.
Abraça-me. Gostava que ficássemos assim para sempre, mesmo que esteja certa de que o para sempre não existe. Aliás, se repararmos bem, o tempo não existe, é apenas mais uma das nossas invenções complicadas. O teu calor faz agora esquecer-me de todas as noites frias que passei sem ti. Há tanto tempo que não me permitias sentir-te, cheguei mesmo a julgar que também tu tinhas sido uma invenção minha. Mas hoje está tudo bem, estás aqui comigo.
Da minha varanda não se vê o mar, mas neste momento nós conseguimos visualizá-lo. É tão bonito, o mar. Tu gostas dele a cair para um tom mais esverdeado, eu gosto dele bem azul.
Hoje o mar está azul-esverdeado. E reflectem à tona da água muitas outras cores, porque o arco-íris resolveu maquilhar o céu. Ao canto, espreita um raio de sol.
Permanecemos em silêncio, ao observarmos tudo isto. Mas já não é aquele silêncio que fez parte de nós durante tanto tempo sempre que nos cruzámos numa qualquer rua desta cidade. O silêncio que me indicou o caminho para a decadência e que a ti, te levou a adoptar a indiferença.
Permanecemos em silêncio porque hoje voltámos a escutar o bater dos nossos corações. O teu, o meu, o teu, o meu. Bem sincronizados, tocam num ritmo melódico que nos delicia e rouba dos nossos dicionários mentais as palavras que poderíamos usar neste momento.
Deixo a mão cair sobre o teu peito e sinto a beleza de uma melodia palpável. Espalha-se-me no corpo e na alma uma sensação de paz e de plenitude que só tu me consegues proporcionar e que eu já me tinha esquecido de como era bom atingir.
Não pronuncio qualquer palavra, mas tu sabes que te estou a pedir desculpa. Por ter achado que devias atingir a perfeição, quando o meu lado racional sempre me disse que esse conceito não passaria nunca de uma mera ilusão. E tu também não dizes nada. Mas eu sei que me pedes perdão, por te teres absorvido de tal forma na tua felicidade que nunca te preocupaste com a minha e por teres destruído, pouco a pouco, tudo aquilo que fazia de mim uma pessoa feliz.
Perdoamo-nos e nada mais importa. Somos livres, agora. Somos livres para nos amarmos, sem promessas, sem utopias que nos conduzam à demência, sem arrependimentos do passado, sem tentativas de alcançar a perfeição, sem nos preocuparmos com as opiniões dos outros. E por hoje, sem conversas nem sequer o uso do verbo amar.
Apenas este nosso abraço e a melodia dos nossos corações em uníssono.
Como fundo, o mar azul-esverdeado. E o raio de sol que a esta hora já se multiplicou em tantos outros.