domingo, 8 de junho de 2008

rechute

Gostava que tivessem lá estado hoje. Mãe, podias ter-me ajudado a escolher um vestido mais bonito do que aquele que levei e maquilhar-me-ias, tu sabes que eu não sou muita dotada para expôr a minha beleza exterior (como poderei atrever-me a dar a conhecer aos outros a interior, se nem esta que aparenta ser uma beleza fácil, eu gosto de mostrar?). E tu, pai, não aprecias nada festas deste género, mas aposto que farias um esforço para estares lá a sorrir e a ver-me subir aquele palco.
Hoje senti que já não vos tenho. O que estariam vocês a fazer àquela hora? Em que mesa estariam sentados a comer? Sinto que não sei nada de vocês e sei que há muito tempo que não sabem de mim também. Gostava que me conhecessem, que tivéssemos conversas infindáveis sobre livros ou drogas ou amor, tanto faz.
Os olhares daqueles pais deixavam transparecer tanto orgulho que, por momentos, senti inveja daquela gente toda, por não vos ter lá, por não ter ninguém orgulhoso de mim esta noite. Esta noite? Eu não vos dou qualquer motivo de orgulho há muito tempo, mas esforcei-me durante tantos anos por vos impressionar e deixar felizes, e sinto que nunca me souberam dar o devido valor, nunca foram capazes de dizer "filha, temos orgulho em ti, tu fazes-nos felizes". Se não me deram valor quando eu realmente vos dei razões para isso, sei que não é agora que não faço nada para vos ver felizes nem vos tento dar motivos para se orgulharem de mim, que vão achar em mim a filha que sempre sonharam ter.
"Era tão boa aluna...". Oh mãe, sou tão mais inteligente fora da escola agora. Já vivi tanto, já sofri tanto, e acabei de fazer dezoito anos. Gostava que pudesses entender que não escolhi o caminho de fazer tudo como me ensinaram, gostava que pudesses perceber que não gosto de fazer as coisas por fazer, porque me cansei de viver uma rotina que não me preenchia. Usei como recurso coisas que tu sempre achaste impensáveis para mim. Tens razão, se calhar optei pela escapatória mais fácil (e errada), mas não me condenes. O meu mundo é tão triste que eu tinha que inventar outro onde pudesse ter momentos de felicidade (será?) tão intensa que me fizessem esquecer a pessoa vazia que sou neste mundo de gente desinteressante, que já ouviu tanto de mim mas que no fundo, não sabe nada do que aqui vai dentro. Sei que isto não tem desculpa, que existiam outras formas de contornar a situação e que acabei por ir contra os meus próprios princípios, fazendo da minha vida aquilo que eu tinha a certeza de não querer para mim. Mas quando o grito não sai, a ajuda não vem. O grito vai aumentando a cada dia que passa e eu aprendi a contê-lo e a não precisar de exteriorizá-lo. Acabo por deitá-lo cá para fora, mas não se dirige a ninguém. É algo que fica no ar, tal e qual uma nuvem de fumo espessa que teima em invadir-me o espaço, mas que não invande o de mais ninguém.

Isto tudo para dizer que aos poucos deixo de sentir a vossa ausência, mas hoje tive uma recaída.