sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

little miss sunshine

Quando era pequena tinha uma preferência por rapazes louros. Imaginava o meu futuro, futuro esse repleto de riqueza, fama e reconhecimento. Seria escritora ou cantora ou arquitecta, tanto fazia. Estava certa de que um dia seria reconhecida pelo meu talento, pela minha diferença, pela minha sabedoria que era tanta considerando a idade que eu tinha. Eu achava que sabia tudo e quando aprendia novas coisas, não estava realmente a adquirir novos conhecimentos, para mim era apenas a constatação daquilo que já me era inato. "A Tatiana? Nunca precisei de dizer-lhe para estudar, é ela própria que se fecha no quarto durante horas, debruçada na cama por entre livros e não só os da escola". Estas eram as palavras da minha mãe perante estranhos que pouco se importavam com aquilo que eu era ou fazia. Eu sei que mesmo a minha mãe não ligava. Só queria fazer boa figura diante dos outros, sempre foi algo que fez parte dela.
Eu achava que um dia iria aparecer na televisão. Atrás de mim uma paisagem seca e árida, a pobreza extrema, povos pouco inteligentes sem preocupações metafísicas, a dor nessa altura era para mim sinónimo de morte ou falta de saúde. Haveria de ter uma casa. Não, uma casa não. Uma mansão. Sim, daquelas com court de ténis e piscina e cavalos e sala de jogos. Porque eu haveria de ser a melhor jogadora de ténis de entre os meus amigos, passaria horas a dar braçadas dentro de água, daria passeios pela minha propriedade no meu cavalo que se chamaria Étoile, seria aquela que enfiaria a bola preta num dos seis buracos da mesa de snooker, para finalizar um jogo exemplar, todos os fins de semana, a casa a abarrotar de gente. Seria também aquela que iria oferecer uma casa à beira mar, batida pelo sol a maior parte do ano, aos meus maravilhosos e distantes pais. Sabia que os faria felizes e finalmente iria ser reconhecida por eles.
O amor? O amor iria aprendê-lo no meio dessas povoações pobres, que não se preocupassem com dinheiro ou reputação ou prestígio. Eles iriam ser a fuga ao meu dia-a-dia dominado por uma agenda que me obrigaria a encontrar gente rica e famosa e interessante(?). Um dia, numa viagem aos países nórdicos, à Austrália ou talvez à minha cidade natal, encontraria um rapaz louro, abastado e de boas famílias, que não se importasse de me acompanhar nas minhas excursões aos outros países de terra seca e árida, onde a neve e a chuva fariam falta, mas onde a neve e a chuva deixariam de ser importantes, ao lado de simples batatas ou de um tecto.

Quando descobri o amor pela primeira (e única?) vez, bem longe de terras secas e áridas e de pessoas pobres cuja maior preocupação seriam batatas ou arroz ou uma mosca que teimasse em infectar e matar pessoas, percebi que o rapaz louro, a mansão, a fama e o prestígio não significavam nada. O meu maior talento era agora proporcionar felicidade. O meu reconhecimento, ser feliz e amada em troca. Não que o amor seja uma troca, mas sim uma partilha. Afinal não se trocam ideais com ninguém, para quê trocar mansões imaginárias com alguém quando se podem partilhar sorrisos, palavras ou silêncios? Para quê um rapaz louro? Porque razão dar aos meus pais uma casa à beira-mar se lhes posso simplesmente mostrar que sou feliz, que consegui. Nunca ousei mostrar-lhes, as circunstâncias fizeram com que eles conhecessem um pouco da minha felicidade que se reflectiu em tristeza e angústia irremediáveis para eles. Para eles não. Para ela. Para ele, apenas indiferença.
O que esperavam de mim? O rapaz louro, a mansão, a fama? Porquê? Será que ter filhos não passa da esperança de conceber alguém que seja capaz daquilo que não ousámos fazer, daquilo que receámos ou abandonámos por sermos fracos ou porque a vida nos impediu de atingir?

Oh maman, se tu vivesses a vida a preto e branco como eu. Há dias em que só a dor aparece para me fazer companhia e tudo o que é cor deixa de o ser para dar lugar ao preto. Há outros em que nada tem cor, em que a paz se mostra presente para que eu possa sossegar e dar folga à escuridão que me assombra durante horas, dias, já não sei que valor poderá ter um relógio, um calendário. Eu sei que há uma altura da vida em que o que é ideal deixa de o ser. Nós mudamos, a vida muda connosco, ou somos nós que mudamos em consequência do preto e do branco e das outras cores com que ela nos pinta. Ou que nós nos pintamos, pouco importa. Talvez importe mas eu já não consigo distinguir aquilo que nós fazemos daquilo que a vida nos leva a fazer. Às vezes gosto de pensar que a culpa não é nossa, afinal "C'est pas nous qui marchons pas droit, c'est le monde qui va de travers".
Uma vez li que as nossas ambições estão directamente ligadas com as esperanças que os nossos pais depositam em nós. Se assim for, peço-te apenas que me idealizes como um ser feliz. Há muito que o meu ideal deixou de ser o rapaz louro, a mansão, a reputação. Eu só quero viver em paz, numa harmonia pintada de dias brancos misturados com cor, quero que sejas feliz por eu ser aquilo que pretendes que eu seja, que eu pretendo ser, a oportunidade, a simplicidade de seres feliz em consequência da felicidade de alguém, é essa a prenda que eu quero dar-te.
E quero que saibas que se um dias tiveres netos, não serei eu a concebê-los. Tenho medo, tanto medo, de cometer os mesmos erros que tu cometeste.

Ajuda-me a chegar ao arco-íris da felicidade. Ao sítio onde o sol brilha, não todos os dias, mas durante a maior parte do ano, sem que seja numa vivenda à beira-mar, na companhia de alguém que seja reconhecido por ser poderoso. O poder do teu sorriso reflectindo a minha chegada a esse lugar será tão mais grandioso. Não queiras para mim aquilo que tu não foste, que não pudeste ser e que eu nunca serei. Afinal não sou melhor que tu. Por que razão haveria eu de alcançar tudo aquilo que passou por ti e não agarraste? Eu sei que faço parte desse lugar brilhante, onde por momentos, te deixas ficar e que te permite esquecer que tudo o resto não tem cor. Tu também fazes parte desse meu lugar, só que teimas em não deixar-me lá chegar. Deixa de idealizar, ou idealiza apenas felicidade para mim, seja ela de que cor for. É que se não o fizeres só estarás a juntar obstáculos ao meu caminho e a única coisa que quero é chegar lá com a tua ajuda, não com as dificuldades que me espetas pela frente.