sexta-feira, 28 de novembro de 2008

sim, ainda.

Há tanto tempo que não sonhava contigo, meu deus. E, tal como de todas as outras vezes, perdidas no tempo, o despertar do sonho foi tão doloroso, como se de uma queda do cimo de um arranha-céus se tratasse. O suor misturado com o batimento descontrolado do coração levaram-me a saltar da cama, ainda que algumas imagens irreais continuassem a percorrer-me o cérebro, quase que obrigando a que o pobre coitado voltasse a adormecer e prosseguisse com a tarefa em que se encontrava segundos antes.
Água. Demasiado quente. Fiz com que a torneira se movesse para o lado da meia-lua azul e observei o fio transparente correr por uns momentos, esperando que arrefecesse. Clique. Flash no cérebrozinho. Água. Também havia água no sonho, mas não me consigo recordar em que situação. Seria o mar? A chuva? Não consigo mesmo lembrar-me. Paciência. Eu sei que por mais que tente, é impossível reconstruir um sonho. Ficam os flashes.
Voltei a deitar-me. Por que raio é que eu tinha que voltar a sonhar contigo, passado tanto tempo desde a última vez? Eu pensava que não existiriam mais vezes, depois daquela. Afinal enganei-me.
Onde andarás tu, a estas horas?
Levei a mão ao telemóvel depois deste pensamento, só porque não sabia que horas eram. Cedo, se adormecer agora ainda durmo três horas. Mas fecho os olhos e apareces-me à frente, não dá para dormir assim.
Sabes, fico contente por te ver esta noite. Tenho uma lista infindável de pessoas com quem gostaria de estar agora, não te sintas demasiado importante. A solidão faz destas coisas. Mas é bom ter uma companhia que não tenha que entrar em mim e sair em forma de fumo espesso para se fazer sentir. Tu estás bem aqui, hoje. Vou contar-te como estou, mesmo que saiba que te continuas a esconder de mim e não queiras saber. Pelo menos hoje, apareceste.
De há umas semanas para cá não há sol. Imaginas como é viver sem sol? Não. Ninguém consegue imaginar isso. Eu própria, antes, achava que sabia o que era ter que viver assim, mas finalmente percebi que nunca soube. Até agora. Mas talvez para compensar o facto de não haver sol e de o amarelo e vermelho das folhas ter desaparecido (aliás, quem desapareceu foram as folhas), nevou. Foi sol (para mim) de pouca dura, mas soube-me muito bem. Eu sei que tu não és grande fã de neve, não quero estar a perder tempo com assuntos que te passam ao lado. Mas sinto que não tenho nada para contar sobre mim. Se bem que eu saiba que também sou um assunto que te passa ao lado. Mas estás aqui hoje.
Ai, meu amor. Se eu conseguisse explicar o que aqui vai dentro. Se eu te enumerasse todas as vezes que te tentei enterrar e perder de vista o sítio para não mais voltar a procurar-te. Nem quando fugiste, me senti assim, como me sinto agora. Naquela altura, achava-me a pessoa mais triste do mundo. Não tinha ninguém, é certo. Mas tinha esperança de um amanhã positivo, porque as memórias eram de ontem. Agora... Agora as memórias dispersaram-se. Já não sei o que se passou entre nós e o que se passou na minha cabeça e sei que o nunca mais que pronunciaste ou escreveste ou deixaste transparecer, vai acompanhar-me o resto da vida. Pouco importa. Não é de ti que sinto falta. Tu apareces-me porque não há mais ninguém. E porque as memórias... As memórias dispersaram-se mas voltam à tona de vez em quando.
Desde que me conheceste até ao tal nunca mais que não me lembro exactamente como é que saiu de ti, quis ser médica. Antes disso também. Lembras-te? Claro que te lembras. Tu também querias. E queres. Mas eu descobri que afinal não é isso que quero. Porquê? Quero ser feliz. E profissionalmente, uma pessoa pode ser bem-sucedida e respeitada. Mas nunca pode ser feliz.
Estava agora a olhar para ti e a tentar lembrar-me da última vez que partilhámos um momento feliz. Impossível. É como tentar reconstruir o sonho, não vale a pena. Mas talvez seja melhor assim, não achas? Eu sei que tu também não te lembras. Mas às vezes gostava de poder entrar nessa cabecinha e decobrir do que é que ainda te lembras. Eu lembro-me tão bem de tanta coisa. Eram dias de sol (mesmo que chovesse) em que os nossos corpos encaixavam tão bem sem qualquer esforço e em que eu consumia cada bocadinho do teu sorriso. Era assim que eu alimentava o meu. Eram horas que não se faziam notar, que passavam por nós entre beijos que nos ensinámos e que nunca mais foram os mesmos, por cabelos desalinhados de cores desiguais. A minha mão não era (e continua a não ser) suficientemente grande para ser da dimensão da tua. Mas o espacinho... O espacinho. E era muito mais. Eram ausências que não se faziam sentir pela certeza de te ter na minha vida. Que certeza mais incerta, meu amor. Agora sei disso. E agora, gostava que soubesses, que se pudesse pedir algo, não pedia beijos nem sorrisos, nem cabelos desalinhados, nem corpos despidos (de tudo, menos amor). Só peço alguém, meu amor. Alguém que me ouça. Alguém que apareça para eu poder contar o que se passa comigo, mesmo que não se passe nada de especial e que o primeiro assunto que me venha à mente seja a neve ou o sol. Meu amor, não preciso de ti. Preciso de alguém. E, para mim, hoje faz todo o sentido que esse alguém sejas tu. Porque resolveste aparecer, num sonho que já se perde na distância de horas. E eu mantive-te comigo, porque custa estar só. Não por te amar ou por te querer ter aqui.
Mas ainda és parte de mim. E enquanto me apareceres a meio da noite e me fizeres suar e elevar os batimentos do coração para o dobro, serás sempre parte de mim, meu amor. Mesmo que eu não queira. Desculpa. E obrigada, por hoje.