segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Genève
03.11.2008

- Foi num ápice. O cigarro estava aceso e, sem dar por isso, já estava caído no chão, sem chama, sem luz.
- Do que estás a falar?
- Foi o tempo que o sol demorou a desaparecer.
- Mas o sol nem apareceu hoje.
- Pois não.
- O céu esteve carregado de nuvens cinzentas durante todo o dia.
- Não. Enquanto o cigarro ardeu e os meus olhos estiveram postos no céu, posso assegurar-te que não foi cinzento que eles viram.
- Então?
- Os meus olhos viram laranja. E rosa. E depois cinzento arroxeado. E cinzento outra vez, mas ainda mais escuro. E finalmente, preto.
- Eu podia jurar que hoje o céu esteve sempre cinzento.
- Não esteve. Tu é que não reparaste e provavelmente ninguém reparou. Afinal, foi só o tempo de um cigarro arder. Provavelmente estavas enfiado no autocarro ou a tomar banho. E nem deste por isso. Eu escolhi a hora exacta para ir à janela fumar o meu cigarro.
- Eu continuo a achar que hoje o sol não apareceu e que o céu esteve sempre cinzento. Choveu, durante horas!
- Tens razão, o sol não apareceu. Mas o céu não esteve sempre cinzento.
- E o que é que isso interessa, também?
- Para quem não viu as cores que eu vi no céu hoje, não deve interessar nada. Assim como para mim não interessa nada o facto de ter chovido hoje, porque os estores estiveram fechados enquanto choveu. E tal como tu nem deste pelos tons de que o céu se vestiu há pouco, eu também nem reparei que choveu hoje.
- Pensava que só as pessoas que não tinham mais nada sobre que falar é que iam buscar o tempo como assunto.
- Mas eu não estou a falar sobre o tempo.
- Ah desculpa, pareceu. Posso acender? Estou à espera deste momento desde que acordei. É a primeira do dia!
- Podes, claro. Embora eu não esteja à espera de nada. Olha lá para fora. O céu está preto, agora. E quando o céu está preto, não vale a pena desejar qualquer outra cor, porque o preto não o permite. Mas quando o céu está cinzento... Quando o céu está cinzento podemos sempre esperar que ele permaneça cinzento ou podemos fechar os estores e esquecer que ele está cinzento. E continuar a nossa vida sem pensar na cor do céu. E quem sabe, se quando abrirmos os estores não estará um momento bonito à nossa espera.
- Eu gosto de dias cinzentos. Acho a chuva bonita. E não há nada mais especial do que aquele reflexo que às vezes se forma no chão, nas poças de água. Parece um arco-íris debaixo dos nossos pés.
- Vês, eu não estava a falar do tempo. Eu estava a falar de beleza. Hoje foi um dia cinzento. E eu, ao contrário de ti, odeio dias cinzentos. No entanto, posso afirmar, que desde que aqui cheguei, este foi o dia mais bonito que já vivi. E até há umas horas atrás estava longe de achar isso.
- Acho que depois de experimentares isto o teu dia ainda vai ficar mais bonito, toma.
- Não, agora o céu está preto. Não há nada a fazer. E eu já tive o meu momento bonito de hoje. Tenho a certeza de que ontem também tive esse momento mas nem reparei nele. E aposto que tem sido assim todos os dias, eu é que sou burra.
- Então o que é que vais fazer? Vais desejar que o momento em que fores à janela amanhã, seja outra vez o momento bonito do dia? E se não for?
- Não. Amanhã certamente que nem sequer irei à janela. Vou desejar que amanhã, quando eu acordar, o céu esteja cinzento. Quero sentir-me bem em relação a isso. Quero sentir que está um dia cinzento e bonito. Quero ir à rua e sentir que o frio que anunciaram na meteorologia é indiferente. Quero sentir que por mais cinzento que esteja o meu dia, quando eu menos esperar (não interessa se vou estar a fumar o meu cigarro ou se vou estar enfiada no autocarro) o rosa, o laranja e o cinzento arroxeado vão aparecer. E chamar-lhes estes nomes é ridículo. Mas é a única forma de tentar traduzir por palavras um sentimento de beleza. E mesmo assim, parece que não percebeste nada do que acabei de dizer.
- Vamos dizer que é o efeito disso que tens na mão que não me permite perceber.
- Sim. Afinal, isto serve sempre como desculpa para tudo, não é? Para tudo talvez não, mas por exemplo para não percebermos os que os outros nos dizem ou simplesmente para nos contentarmos com cinzento quando no fim de contas há rosa, laranja e cinzento arroxeado... (Pausa) Põe lá o filme.
- Boa ideia!