domingo, 18 de maio de 2008

thai

Amesterdão,
15 Maio 2008

O que se passa? O que é isto?
Shiu. Não podemos falar alto. Acabámos de entrar num mundo mágico, onde a qualquer momento pode surgir um ruído que os teus ouvidos vão achar apaixonante. Não fales, não te mexas muito. Abre a mente. Sente. Sente.

Será que passaram horas? Minutos? Não sei precisar. Para mim pode ter sido há muito tempo ou pode ter acabado de acontecer, as duas perspectivas adaptam-se. Não me sinto. Não sei quem sou neste momento, nem o que estou a fazer cercada neste cubículo de quatro paredes, com pessoas que decidiram entrar neste mundo novo comigo. Elas não estão comigo, mas eu observo-lhes atentamente os movimentos, na expectativa de tentar perceber o que estarão a sentir, se de certa forma, poderei partilhar com elas os meus pensamentos.
Mas afinal, no que estou eu a pensar? Ora é a pizza que tenho nas mãos, ora é o cigarro que está dentro do maço pousado na bancada da cozinha. O meu olhar salta do amigo que está lá fora enrolado num edredon para o amigo que está deitado na cama a contorcer-se. Será dor? Não, eu que em cada minuto da minha vida carrego uma dor insuportável, hoje, neste momento que não sei dizer onde se situa no tempo, consegui libertar-me dela. A dor não existe, tal como o tempo. O que é o tempo? Desde que abri esta porta e a fechei atrás de mim, todos os relógios desapareceram. Todos os momentos que se passam no mesmo instante se dividiram em vários e formaram sub-tempos. E nos sub-tempos ainda se formaram tempos imaginários e viagens no tempo. Não faz sentido falar em tempo. Já fui até à minha infância e sonhei com o meu futuro, pensei em pessoas que não estão e observei outras através da janela, espreitei o que se passava na sala enquanto trocava um olhar inocente com o amigo que está lá fora. Tudo agora. Cada momento prevalece, cada momento tem a sua continuidade e fica guardado comigo para entretanto voltar a ser evocado. Eu nem sei em que tempo hei-de escrever isto. O passado, o presente e o futuro só servem para nos baralhar, eu estou a viver o agora e este agora engloba os três e não engloba nenhum. É tudo tão surreal, mas tão verdadeiro. Eu olho para eles e vejo seres tão autênticos que gostava de saber o que lhes vai na mente. Será que também já perceberam que o tempo não existe? Estão fartos de se cruzar comigo e não dizem nada, começo a sentir-me sozinha. Tenho que me concentrar numa das muitas ideias que me vão na cabeça e deixá-los pensar nas suas. O sofá da sala está tão bonito, nunca vi cor tão bela na vida. Apetece-me ficar lá sentada para sempre e fundir-me naquele vermelho tão reluzente, sem pensar em tempo nem dor. Deixar-me ficar, livre de tudo o resto, de todos os ideais impostos por quem nunca me conheceu, da minha rotina desgastante e das pessoas que dela fazem parte, das minhas obrigações, da pessoa que sou diante dos outros no mundo real, de ti... Apetece-me gritar de tão livre que me sinto, mas não vou gritar. Não quero perder nenhum ruído bonito vindo lá de fora ou mesmo cá de dentro. Não sei descrevê-la, mas está constantemente uma música a tocar-me aos ouvidos e é tão agradável, tão relaxante, que me sinto flutuar. Não sei que sensação é esta, mas é como atingir um patamar acima na escala dos mundos surreais. Apetece-me ficar neste mundo para sempre, mas lembro-me agora de que afinal não fechei a porta atrás de mim. Só a deixei encostada e vou ter que voltar para o mundo onde as cores não têm piada, nem existem músicas de embalar. Onde os relógios ditam o que fazer e as pessoas não têm em volta da face uma auréola recheada deste encanto inocente.
Voltei a sentir-me criança. Cada pedaço deste mundo parece estar encantado, o meu olhar saltita de uma coisa para a outra porque tudo parece ser mágico. Toco nas coisas com cuidado para que nada se estrague e deixo-me enfeitiçar por elas. Quero conhecê-las todas, quero poder absorver tudo à minha volta e estou quase a consegui-lo. Sabes, não fazes falta por aqui hoje. Estou livre, até de ti. É tão bom não sentir o sangue correr nas veias nem o coração bater e saber-se que se está em ebulição no âmago. Sinto pequenas explosões darem lugar no meu interior mas a superfície deste vulcão, constitui um corpo que enfim descansa das máscaras que há tanto tempo suportava. Nudez que aconchega, esta. Estou livre, tão livre. Até das máscaras, estou despida de tudo aquilo que de mau foi incutido em mim.

Abri a mente e senti, finalmente, o que é libertar-me de tudo. Posso dormir, agora. Está na hora de transformar as utopias do meu consciente no brinquedo desta noite para o inconsciente.