segunda-feira, 5 de maio de 2008

3, 2, 1...

Três. Três meses para me ir embora, inicia-se a contagem decrescente.
Há duas semanas que não choro a tua ausência de dois anos, nem te mando nenhuma mensagem cuja resposta nunca obterei. E há precisamente sete dias estava em casa, em família. Hoje é Domingo e há umas horas estava sentada no último banco de um autocarro velho a pensar sobre a vida. Olha, amanhã por volta das 10h30 vou dançar valsa. Dentro de cinco dias serei maior de idade! Tenho precisamente um mês e meio para estudar matemática e tirar positiva no exame. A última vez que me apercebi de como é passar três dias sem droga já foi há mais de seis meses. Se tudo correr bem, no Verão terei a carta. Há quanto tempo não estás comigo? Exactamente 300 dias, mas ainda na Sexta te vi. Desde Agosto que não vejo a Anne, e a Véro morreu um mês antes. Há onze meses atrás ainda não vivia sozinha, há dois anos ainda tinha uma mãe que me acordava todas as manhãs e há treze um pai que via ao fim-de-semana.
São 15h27 de um Domingo sem sol. Onde estava eu a esta hora num Domingo de há dez anos? Casa dos avós provavelmente, a família toda reunida à excepção do pai. E há três anos? Contigo, na tua cama, talvez.
E hoje? Hoje será a mesma rotina de há meses: fumar, fumar, fumar, até não ter mais consciência de quem sou ou do que estou a fazer.

É isto que me vai na cabeça.
Quem é que se lembrou de inventar a merda do tempo e das datas e de tudo o que pressuponha uma contagem que nos conduz à demência de tanto pensarmos nela? É inevitável, parece que existe um registador automático dentro de mim, que de vez em quando soa um alarme para eu ir rever o que aconteceu na puta do dia em que troquei a família por ti ou no dia em que me trocaste por não sei bem o quê e eu substituí tudo e todos por um mundo que em vez de pessoas, tem substâncias químicas a tentarem ajudar.


quinta-feira, 10 de abril de 2008

Grito

E sob a forma desejada
A noite deita-se comigo
E é a tua ausência
Nua nos meus braços.

Experimento um grito
Contra o teu silêncio
Experimento um silêncio
Entro e saio
De mãos pálidas nos bolsos.

Pretextos para fugir do real
Alexandre O'neill


Não há sítio cá dentro que aguente mais conter este grito, mas também não há voz capaz de dar fim ao silêncio. Que fazer? Que dizer? Que esconder?

Gritar?
Calar o grito, de novo?

Escrever, escrever. Que o grito parece sair em surdina, mas pelo menos não mora cá mais.
Pudesse eu gritar a todos tudo o que está contido em mim, como o faço para a noite quando ela se deita comigo. Ela deve estar a chegar e quando chegar, não aquecerá a cama. Tornará ainda mais gélido o ar que me diz olá por de baixo dos lençóis. E eu gritar-lhe-ei para que me aqueça, apesar de saber que a sua única resposta será silêncio.

É por ter medo que me respondas da mesma forma que desisti de te gritar.


quarta-feira, 2 de abril de 2008

parfois, la solitude peut être rassurante.

Não é saudável. Nada tem sido saudável.


sábado, 22 de março de 2008

there's a natural mystic blowing through the air

Estava tudo planeado. Estava tudo tão planeado.
Pensámos e falámos e discutimos e sonhámos. E conseguimos esboçar o nosso presente, misturado com aquele que seria o nosso futuro, cada um dos mais pequenos pormenores desenhados a lápis de carvão e tantas situações repletas de cor. O desenho ficou-se-me na memória. É impossível esquecê-lo, trago-o tão dentro de mim.
Quando observo a tela, resultado final de tantos e tão marcantes dias de trabalho árduo, sinto-me uma pintora importante. Pintámos um universo de tal forma surrealista, que me questiono se fomos alguém que se amou ou se fomos apenas um Dalí composto por duas almas que quiseram pintar um pequeno mundo só seu.
Fomos tudo, arrisco. E hoje nada mais somos que dois Dalís distintos que pintam universos inconciliáveis por não conseguirem mais ter ideias para um universo surrealista.
Hoje, és Picasso. Todas as tuas pinturas se cingem agora a formas geométricas, nas quais te fechas e escondes do mundo. As cores são vivas, como sempre gostaste de as usar e, nota-se que este teu novo quadro irradia felicidade. Lembra-te que se somos felizes, temos o dever de espalhar felicidade pelos outros. E dói como uma pincelada violenta saber que aquele que um dia foi o nosso desenho pintado de surrealismo se transformou para mim numa confusão de c0res vibrantes sem sentido, que por mais que tente, não consigo distinguir. Já não somos um Dalí. Se és Picasso, eu sou Kandinsky. Tudo é desconhecido. Só vejo cores sem nome, luzes encadeantes, ouço sons estranhos e toco em corpos que não o teu. Tudo é abstracto, tudo se mistura e já me perdi, não sei o que estou a pintar nem que tonalidades usar.
No meio de tudo isto, é bom saber que não estou só. O meu grupo de pintores acompanha-me. Amanhã partimos para uma exposição, e eu pensava, até há algum tempo, que tu me acompanharias e estarias a meu lado para não me enganar nas cores, nos traços, nos contornos. O meu grupo de pintores ajuda-me a pintar uma tela em cinco minutos, mas não estou certa de que gostarei do resultado final. A toda a hora sinto que o quadro vai cair e estragar-se, vejo as cores transformarem-se em seres palpáveis e asfixiarem-me na minha própria arte, acabando de vez com ela. Há dias em que eu própria quero que ela acabe, só me apetece arrumar os pincéis e as tintas numa gaveta e as ideias num baú inatingível para nunca mais pintar.
O ar fica pesado, fica tão pesado o ar. E o amarelo transforma-se em preto. E o azul transforma-se em preto. E todas as cores se transformam em preto. Uma névoa cai sobre o atelier e não sei o que fazer.
Não faço nada, porque arrumei as ideias, os pincéis e as tintas. Vejo-me cercada por essa névoa, que descubro ser fumo. E não sei como, porque as arrumei, as ideias surgem no meu cérebro como pequenas flores desabrochando na primavera. Que confusão de ideias! E saltam-me tintas e pincéis para as mãos. Pinto paredes, pinto telas, pinto folhas, pinto o ar. Não faço ideia do que estou a pintar, é o fumo que sai da névoa que manda. Quero parar, mas não tenho forças. E o meu grupo de pintores parece estar tão inspirado quanto eu. Todos pintam, mas não percebo o quê. Penso que nem eles próprios sabem o que estão a fazer. O meu corpo move-se por toda a galeria, mas sinto-o flutuar. Finalmente, termino de colorir esta pintura. Observo-a com atenção e não me surgem logo significados para as formas, para as cores, para os tamanhos das formas. No dia seguinte já não me vou lembrar de ter pintado esta tela, por isso não vale a pena preocupar-me com esses pormenores. Voltarei a pintar qualquer outra coisa e aperceber-me da dimensão abstracta que tudo o que eu pinto tem. Estou farta de fazer coisas sem sentido.

Quero voltar a ser Dalí. Não quero voltar a ser uma das duas almas do Dalí. Quero ser Dalí e deixar-te ser Picasso, sem me preocupar com o que pintas, sem me assustar com as formas geométricas que adoptaste para o teu estilo. Mas é terrível saber que no meu interior, estou sempre à espera de um workshop, de uma exposição, de um qualquer evento que nos junte, de uma manhã em que me acordes com pinceladas suaves.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Drogas, é tão bom tomá-las
E poder simplesmente ouvir
Os sons, os ruídos, as falas
Sem saber o que se está a sentir.

Não se perde tempo a pensar
Sobre o absurdo da realidade.
Apenas se tenta alcançar
O que em nós é verdade.

E tudo parece estranhamente
Simples, puro, tão natural.
E é então que, inconscientemente,
Se atinge um bem-estar geral.

Deixam-se de lado as más emoções
Porque pouco importa o que passou
E atormentou os nossos corações.
Só importa o que sou e onde estou.

Poderão existir aspectos negativos,
Mas a mim cabe-me apenas desfrutar
Dos intensos momentos imaginativos
Que a mente está a experienciar.

E deixar para trás o que fui contigo
E o que haveria de ser um dia.
Estou bem, tenho as drogas comigo
E aos poucos, deixo de sentir melancolia.

Esqueço-me do que outrora foi importante
Porque elas me permitem ter um presente.
Um presente vácuo, talvez inconstante.
Mas onde a raiva é inexistente e a dor não se sente.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

liberu

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
E o que nos ficou não chega
Para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastámos as mãos à força de as apertarmos,
Gastámos o relógio e as pedras das esquinas
Em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
Era como se todas as coisas fossem minhas:
Quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
Porque ao teu lado
Todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário
Era no tempo em que os meus olhos
Eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
Uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
Já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
Tenho a certeza
De que todas as coisas estremeciam
Só de murmurar o teu nome
No silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.
(Eugénio de Andrade)



Quero e não quero libertar-me de ti. Num passado recente, se me desses oportunidade para fazê-lo, implorar-te-ia para ficares comigo. Mas hoje não. Hoje cansei-me de ser triste por não ser feliz contigo. Hoje percebi que o passado não passará nunca de uma armadilha que nos influenciará no futuro e eu jurei que não voltarei a cair nela. Hoje não sinto a tua falta. Mesmo que seja só hoje, não importa. O hoje tanto pode ser o primeiro como o último dia em que não sinto a tua falta. Veremos. Por agora meu amor, vou simplesmente deixar-te ir.

Não é um adeus, é um espero por ti. Mas espero feliz, sem ti.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

melodia ao amanhecer

Senta-te comigo neste cantinho de varanda. Sabes, as noites têm sido frias sem ti e esta varanda tem sido minha amiga. Quando os sonhos são demasiado assustadores ou o meu corpo rejeita o conforto da cama, venho sempre aqui parar. Mas hoje não estou só e é tão bom não estar só.
Abraça-me. Gostava que ficássemos assim para sempre, mesmo que esteja certa de que o para sempre não existe. Aliás, se repararmos bem, o tempo não existe, é apenas mais uma das nossas invenções complicadas. O teu calor faz agora esquecer-me de todas as noites frias que passei sem ti. Há tanto tempo que não me permitias sentir-te, cheguei mesmo a julgar que também tu tinhas sido uma invenção minha. Mas hoje está tudo bem, estás aqui comigo.
Da minha varanda não se vê o mar, mas neste momento nós conseguimos visualizá-lo. É tão bonito, o mar. Tu gostas dele a cair para um tom mais esverdeado, eu gosto dele bem azul.
Hoje o mar está azul-esverdeado. E reflectem à tona da água muitas outras cores, porque o arco-íris resolveu maquilhar o céu. Ao canto, espreita um raio de sol.
Permanecemos em silêncio, ao observarmos tudo isto. Mas já não é aquele silêncio que fez parte de nós durante tanto tempo sempre que nos cruzámos numa qualquer rua desta cidade. O silêncio que me indicou o caminho para a decadência e que a ti, te levou a adoptar a indiferença.
Permanecemos em silêncio porque hoje voltámos a escutar o bater dos nossos corações. O teu, o meu, o teu, o meu. Bem sincronizados, tocam num ritmo melódico que nos delicia e rouba dos nossos dicionários mentais as palavras que poderíamos usar neste momento.
Deixo a mão cair sobre o teu peito e sinto a beleza de uma melodia palpável. Espalha-se-me no corpo e na alma uma sensação de paz e de plenitude que só tu me consegues proporcionar e que eu já me tinha esquecido de como era bom atingir.
Não pronuncio qualquer palavra, mas tu sabes que te estou a pedir desculpa. Por ter achado que devias atingir a perfeição, quando o meu lado racional sempre me disse que esse conceito não passaria nunca de uma mera ilusão. E tu também não dizes nada. Mas eu sei que me pedes perdão, por te teres absorvido de tal forma na tua felicidade que nunca te preocupaste com a minha e por teres destruído, pouco a pouco, tudo aquilo que fazia de mim uma pessoa feliz.
Perdoamo-nos e nada mais importa. Somos livres, agora. Somos livres para nos amarmos, sem promessas, sem utopias que nos conduzam à demência, sem arrependimentos do passado, sem tentativas de alcançar a perfeição, sem nos preocuparmos com as opiniões dos outros. E por hoje, sem conversas nem sequer o uso do verbo amar.

Apenas este nosso abraço e a melodia dos nossos corações em uníssono.
Como fundo, o mar azul-esverdeado. E o raio de sol que a esta hora já se multiplicou em tantos outros.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

o comboio descendente

"No comboio descendente
Vinha tudo à gargalhada.
Uns por verem rir os outros
E outros sem ser por nada.
No comboio descendente
De Queluz à Cruz Quebrada (...)"

Fernando Pessoa
(música: Zeca Afonso)



Não sei porquê, mas uns dez anos depois, voltei a lembrar-me desta música, deste poema cujo autor nunca imaginei quem fosse. E lembrei-me de tudo.
É tão bom ser-se criança. Escola, professor, papá, mamã, mano, amiguinhos. O que era a minha vida senão isto? Sim, muito mais. Futebol e pão com manteiga nos intervalos, parque nos dias de sol, leitura no quarto nos dias de chuva, trabalhos de casa, composições, contas de somar e multiplicar, ditados (zero erros!). Mais nada? Sempre fui a rainha dos puzzles e cartas, mas o meu irmão ganhava-me ao jogo dos países. Carrinhos na carpete com parques de estacionamento imaginários, desenhos animados na tv antes da hora do jantar, jantar na mesa, quatro pessoas, uma família. Isto já era só de vez em quando, mas a memória do que se passava esporadicamente também permanece. E lembro-me tão bem de ouvir esta música numa sala da escola do Bairro da Ponte. Se puxasse pela cabeça, talvez conseguisse enunciar o nome de todos os que faziam parte da turma. Achei tanta piada à letra que andava sempre a cantá-la por casa. E no moinho. E em casa dos tios.
E nas férias do verão a tia levou-me uma semana para casa dela em Lisboa para andarmos de comboio e passámos nas paragens todas do poema. Queluz, Cruz Quebrada, Palmela... Ah, a tia não quis ir até Portimão! Mas corremos da Baixa até ao Chiado, deambulámos pelas ruas mais antigas e olhámos através das portas dos pequenos comércios, sentámo-nos no Cais a comer um gelado e percorremos num ápice a subida de volta aos armazéns para ela comprar algo de que se tinha esquecido. E no ano seguinte lá voltei uma semana a Lisboa para visitar a Expo. Era tudo tão simples. E um ano parecia durar uma década, havia tempo para tudo, até para se ser feliz.

Já só ouço gargalhadas, não as dou. Porque percebi que rir por ver rir os outros, não tem assim tanta piada. E cheguei à conclusão de que a minha vida é exactamente como o comboio: descendente.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

voyage, voyage

Exausta devido às muitas horas que tínhamos passado dentro do avião no dia anterior, mergulhei contigo nas águas límpidas daquele mar sereno e deixámo-nos embalar pelas ondas suaves. Por momentos, uma calma suprema invadiu-nos e desejei que pudéssemos banhar-nos ali para sempre. Que pudéssemos esquecer as nossas vidas cansativas e superflúas comandadas pela rotina diária e nos deixássemos levar pela simplicidade das gentes daquele país que me atrevi a apelidar de paraíso escondido.
Eram tão puros e autênticos aqueles sorrisos que nos ofereciam sem que nada déssemos em troca, como o eram o verde da vegetação e o aroma indiscritível que nos circundavam por todos os lados. E ao caminhar na areia macia de mão dada contigo, entrelaçando os meus dedos nos teus, tive a sensação de que experienciava uma vivência que jamais viria a repetir-se, tive a certeza de que seria impossível que voltássemos a sentir um aconchego semelhante ao que o calor mútuo dos nossos corações ali nos oferecia.
A pobreza extrema daquele povo quase que se tornava insignificante de tão preciosas que eram aquelas crianças e, mesmo que a sua cultura e a sua sabedoria fossem praticamente inexistentes, a bondade que deixavam transparecer superava em tudo um diploma de uma qualquer universidade do mundo em que nos inserimos. Prometeste-me num dos nossos muitos passeios pelas aldeias daquela região, em que parávamos de porta em porta para distribuir alimentos a meninos cor de chocolate, que um dia regressaríamos para trazermos uma daquelas preciosidades connosco. Quero acreditar que pelo menos essa promessa cumprirás.
Fiquei fascinada e tu também, quando me deparei com aquelas palhotas que serviam de casas e senti-me ridícula por termos um plasma na nossa sala de estar, que comprei mesmo sabendo que nem tu nem eu apreciamos ver televisão. Foi um embaraço para o nosso egoísmo, que serviu para nos abrir a mente e transmitir-nos o altruísmo necessário para que um dia possamos afirmar que fomos muito mais do que um amor incompreendido, que soubemos fazer bem mais do que viagens para suavizar os sentimentos de revolta que a nossa sociedade nos provoca, que aproveitámos essas viagens como prolongamento do nosso amor e, que lutámos por partilhar com essa gente tão genuína espalhada por esses confins de mundo, o que de melhor somos em conjunto.
Longe de todo o nosso quotidiano habitual, fui contigo nada mais do que aquilo que todos os dias tento, em vão, ser na nossa cidade: metade de ti, a eterna e inalterável beleza do teu ser.
E foi assim, que durante seis maravilhosos dias, observámos o inigualável pôr-do-sol em África. Afinal sempre era verdade tudo o que tínhamos lido e ouvido sobre ele. E não existirão nunca, palavras dignas de descreverem os sentimentos proporcionados por aqueles fins de tarde, coloridos de uma tonalidade laranja e de outras cores sem nome.
Durante aqueles dias, foi-me possível esquecer a vacuidade que, constantemente me assola a alma. Rendi-me à plenitude que, momentaneamente o meu âmago abraçou.

Esta seria a viagem da minha vida, não fosse ela, apenas fruto da minha imaginação. Mas todos temos aquela a que chamamos a nossa viagem de sonho. E dizem por aí, que o sonho comanda a vida.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

uma palavrinha aos fiéis (per)seguidores da minha vida

A minha vida deve ser mesmo algo de extremamente interessante e invulgar. Tenho a sensação de que todos se apaixonam pela minha história de vida, se assim não é pelo menos parece, porque todos adoram especular e comentar sobre cada passo que eu dou.
Quando recebi aquelas mensagens, o meu coração disparou tão fortemente que não consegui pensar em nada. Ao fim de uns minutos lá corri para a cozinha em busca de victans, que engoli mesmo sem beber água. Mas meia dúzia de horas depois, continuo num profundo estado de inquietação e nervosismo.
Qual é a necessidade de as pessoas interferirem na minha vida quando ela é apenas e somente minha? Não seríamos todos mais felizes se nos limitássemos a viver as nossas? E não me venham dizer que é por se preocuparem comigo. Não é. Se alguém nesta família se preocupasse mesmo comigo, já se teriam apercebido de que sou uma farsa e que vivo numa depressão constante que me impede de ser feliz. Ainda ninguém reparou.

Para o caralho, é o que eu vos digo. Cambada de cínicos e invasores de privacidade que só servem para atrapalhar a minha vida e deixar-me ainda mais perturbada do que já estou. Do que já sou.
Será que o meu aparecimento nas vossas vidas veio causar-vos assim tanto transtorno que agora mereça que me tratem desta forma? Nunca nenhum de vocês me aceitou como sou. Talvez seja porque eu vejo para além do que vos é perceptível, tenho uma noção tão pura e genuína de tudo que assuntos e futilidades alheias me transcendem.
Façam-me o favor de lutarem pela vossa felicidade e de me deixarem alcançar a minha livremente. Ainda não perceberam que nesse aspecto nada do que possam fazer me vai ajudar? Burros. Sempre achei que não pertencia a esta família, quiçá, a este mundo. Agora não me restam quaisquer dúvidas.

Um dia, hei-de fugir para outro planeta.
Ainda há lugares disponíveis na nave, para quem manifestar coragem e ousadia necessárias de deixar para trás esta vida dominada por gente que se acha superior, mas que no fundo, não passa da verdadeira escumalha da sociedade. A escumalha para mim não é aquela tipicamente referida ralé que engloba os que roubam, os que desafiam a lei, os que não têm um qualquer estatuto importante, os que são diferentes. A escumalha são aqueles que têm palas a tapar os olhos e que não se interessam nunca por aqueles que, ao contrário de si, têm uma mente aberta e disposta a aceitar que o correcto não é o que está escrito ou nos é dito desde que nascemos. O correcto é vivermos com o único propósito de alcançarmos a felicidade e de a proporcionarmos aos outros, mesmo que isso vá contra as leis deste mundo tão supérfluo e recheado de inúteis.

Já esvaziei para aqui os sofocos do dia de hoje. Agora rio-me, chego mesmo a achar piada a isto tudo. Porque a escumalha preocupa-se tanto com o que é correcto, que nunca chega a ser feliz.
Mas eu? Estou certa de que um dia o serei.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

diálogo I

2004 - avant
Eu: Gostas de mim?
Tu: Também. Para além disso, amo-te.
Eu: Amar significa que serias capaz de morrer por mim?
Tu: Não sei. Mas sei que te amo porque vivo por ti. Porque todos os dias acordo e me deito contigo no pensamento, todos os dias é a tua mão que a minha busca incessantemente, todos os dias desejo ter-te só para mim. E o mais estranho, é que mais nada neste mundo me interessa para além de ti, tu fazes-me feliz e isso é tudo o que eu quero.
(Pausa. Os nossos olhares ficam, momentaneamente absorvidos um no outro e, desenha-se-me um sorriso na face.)
Tu: E tu, morrerias por mim?
Eu: Só sei que morreria sem ti.



2008 - maintenant
Morri, então. Isto que aqui anda, que todos vêem e com quem todos falam, não é nada mais do que um simples corpo a quem tiraram e mataram a alma. A quem tu tiraste e mataste a alma, quando deixaste de viver por mim.

domingo, 20 de janeiro de 2008

foz do arelho

Passados precisamente três anos, voltei a observar o pôr-do-sol sentada naquela rocha, com os pés caídos no vazio.
Aquela será para sempre a praia da minha vida, mesmo que não seja a mais bonita que conheço, porque a beleza não está no que é visível. A beleza está no que se vive, no que se sente, no que se experiencia.
Aquela rocha elevada, a melodia do bater das ondas na areia, a temperatura amena e desadequada para esta altura do ano e, finalmente, o pôr-do-sol por que tantas horas esperei ali sentada acompanhada por um livro e uns quantos cigarros, fizeram-me reviver tudo.
Chorei em silêncio, obrigando o meu olhar saltitar dos pescadores que se encontravam no outro extremo da praia, até à linha do horizonte entre o céu e o mar, na tentativa de me abstrair do terramoto interior que me assolou despertando todos os meus sentimentos por ti que guardo sempre comigo, na ânsia de que um dia os queiras de volta.
Apeteceu-me morrer ali naquela praia, onde me prometeste que o nosso amor seria eterno. Onde me beijaste e amaste e sorriste. Onde me fizeste sentir plena, feliz, realizada. Chorei mais um pouco para me libertar do peso que ocupas cá dentro. Quis sentir de novo tudo o que me proporcionaste naquele sábado de Janeiro de 2005, quando me sentei contigo naquela rocha, com o mar e o céu e o sol como cenário de fundo. O mar, o céu e o sol estavam lá hoje. Mas tu não.
Quando o sol começou a descer e a metamorfose do amarelo para laranja se deu, não resisti. Gritei. Gritei muito. Já não estava sentada na rocha, subi apressadamente o resto da arriba e deixei-me ficar de pé no seu topo. O meu grito ecoou por toda a praia e desapareceu segundos depois, sendo substituído pelo som do mar inquieto e violento. Quis atirar-me do cimo da arriba e entregar-me às revoltadas águas do mar, quis ceder e cair no abismo em que me encontrava. Em que me encontro.
Mas não o fiz.
Gostava de ser uma daquelas pessoas que têm a coragem necessária para pôr fim à vida, mas não o serei nunca. Devem ser esta expectativa infundada do teu regresso, o desejo de voltar a ser tua e de te dar tudo de mim, as recordações da perfeição que contigo alcancei que alimentam a minha esperança de que um dia esta demência em que vivo acabará e me voltarás a amar, a hipótese de que o meu amor por ti morreria com a minha morte física, que me fazem não querer desistir.
À medida que o sol se pôs, fui descendo a arriba. Toquei com os pés na areia, observei o céu, pintado de uma mistura de laranja e cor de rosa, as nuvens que passaram de uma tonalidade branca para essa mescla indiscritível de cores. A minha mente foi, de novo, invadida por inúmeros flashbacks do nós que tu resolveste matar e enterrar e, que me matou a mim também.
O sol pôs-se, deu lugar à lua. É noite. Tenho medo da escuridão. Tenho medo da quietude que me provoca tamanha agitação no interior.

No caminho de regresso a casa, não tocou na rádio, a mesma música da outra vez. Nem senti a tua mão acariciar a minha. Sinto tanto a tua falta, a falta do teu toque.

Voltei a chorar quando cheguei à minha casa vazia e fria, como sempre. A vida deixou de fazer sentido quando levaste contigo todos os meus sonhos. E já percebi que não me irás nunca devolvê-los.
A morte não poderá, certamente, ser pior do que uma vida sem sonhos. Mas se eu me atirasse para um qualquer abismo, morreria comigo o amor que sinto por ti. Morreria o que de mais belo e magistral consegui criar e sentir nesta vida.

Perdoa-me, mas ao contrário de ti, não seria nunca capaz de matar um sentimento como o amor. Como este nosso amor.


segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

That's all I ask of you. Is that too much?

Olha olha, posso pedir-te um favor?
Não é nada de mais, não te preocupes. Antes tinha por hábito pedir-te o mundo, mas já me deixei disso. A sério. Acredita em mim, não me olhes dessa maneira. É só um favorzinho que não te vai custar nada, nem te prejudicará de forma alguma. Achas que eu alguma vez, nesta vida, iria querer prejudicar-te? Claro que não, eu amo-te! Ups, já disse o que sei que não deveria dizer. Mas às vezes sai-me, não consigo evitar. Então? Escusas de olhar para mim como se eu fosse uma criança que tivesse acabado de dizer um perfeito despautério! Não te estou a pedir para olhares para mim como olhavas antes, mas olha para mim como olhas para as outras pessoas todas. Afinal não é isso que eu sou? Uma pessoa como todas as outras na tua vida? Então mereço igual tratamento. Anda lá, não faças a minha consciência sentir que deveria escrever cem vezes "Não voltarei a dizer que te amo".
Ah, o favor! Já me esquecia. Estás a ver? És uma pessoa tão complicada que me obrigas a divagar e eu acabo sempre por me perder e ocupar muito mais do teu tempo do que aquilo que inicialmente tenciono ocupar. E depois evitas-me porque me achas chata e dizes que estou sempre a bater na mesma tecla e que deveria parar de ser infantil. Mas tu não és completamente inocente! Tens a culpa de me fazeres sentir assim. Porque me prometeste tudo e agora não me dás nada. Ah pois, ao menos reconheces que erraste ao prometeres isso. Mas sabes aquilo que se diz de "Errar é humano, cometer o mesmo erro duas vezes é burrice." ? Não devias ignorar-me quando eu te aviso de que estás a cometer o mesmo erro que cometeste comigo. É mais forte do que tu, eu sei, é como aquilo que eu há pouco disse e não deveria ter dito, mas temos de lutar contra essas vontades, contra esses sentimentos que nos podem levar a nós e aos outros à destruição.
Bem, já te estás a aborrecer com a minha conversa e está a começar a chover, ainda tenho de percorrer meia cidade a pé até chegar a casa, por isso vou então, pedir-te o favor.

Achas que, podias, esporadicamente, sorrir para mim?
Eu não peço todos os dias, não peço um sorriso enorme como aquele que se esboçava na tua face de cada vez que me vias, antigamente. Um sorriso, apenas um sorriso de vez em quando! Pode ser um sorriso pequenino. Pode ser até um sorriso triste, se é esse o sentimento que te invade quando me vês. Não quero é cá sorrisos forçados!
Dizes que não? Está bem. Eu tentei. E continuarei a tentar até que um dia sorrias para mim. Vai lá para casa, não quero que apanhes chuva. Não te despedes de mim com dois beijinhos? Hoje nem estou com herpes! Ah, dois beijinhos e um afagar nos cabelos para me despachares. Vá, até amanhã.




Oh, agora interrompes-me quando eu já vou a meio da subida e com esta chuva toda que está a cair! O que é? Diz lá. Ahm? Não te ouço, grita! Deixei cair o maço? Ah! Espera aí. Olha, agora quem caiu fui eu. Epá, fiquei toda molhada! Que chatice, ainda por cima o maço também caiu numa poça e nem um cigarro se aproveita. O quê? Sou parvinha?? Nem me ajudas e eu é que sou a parva!

Estás a olhar para mim. E... estás a sorrir.
Sempre gostaste de me ver chateada? Que todas as minhas chatices fossem quedas e maços de tabaco em poças. E sabes, eu hoje já ganhei o dia!

Até me deste vontade de fazer a subida a correr. O teu sorriso é tudo.


sábado, 12 de janeiro de 2008

o jim é que sabe.

"People are afraid of themselves, of their own reality; their feelings most of all. People talk about how great love is, but that's bullshit. Love hurts. Feelings are disturbing. People are taught that pain is evil and dangerous. How can they deal with love if they are afraid to feel? Pain is meant to wake us up. People try to hide their pain. But they're wrong. Pain is something to carry, like a radio. You feel your strenght in the experience of pain. It's all in how you carry it. That's what matters. Pain is a feeling. Your feelings are a part of you. Your own reality. If you feel ashamed of them, and hide them, you're letting society destroy your reality. You should stand up for your right to feel your pain."



Se eu não sentisse dor, não escreveria. Ninguém conseguiria escrever uma obra, ninguém seria capaz de compor uma música. A arte simplesmente não se criaria.
Se a dor não existisse, não perderíamos tempo a escrever ou a compor, porque não iríamos precisar de exteriorizar sentimentos que nos destroem, sem dor dificilmente haveria destruição. E dos sentimentos que nos preenchem não vale se quer a pena falar, porque esses gostamos de mantê-los cá dentro, de usá-los para aquecermos as nossas almas.

Aprendi a carregar a minha dor através da escrita, porque não me atrevo a falar dela e penso demasiado nela para querer escondê-la. A minha dor é parte de mim. A minha dor é real. E sei que só me libertarei desta minha dor, quando morrer.

Será por saber que me verei livre dela, que não quero morrer?















- Tu sabes que é, afirma a vozinha quase inaudível do meu consciente (utópico).

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

o miles, o coltrane, o charlie, o louis, a ella, what a wonderful world.

Oh my jazz! A ambiguidade da música é algo de tão extraordinário. Como é possível que, por vezes, o seu efeito seja tão terapêutico e o melhor de todos os antidepressivos e, que noutras, se manifeste de tal forma devastador, que a nossa única vontade seja de partir as colunas para não ter de recordar as vivências de um passado feliz, só por ouvir o piano, o saxofone ou a bateria?

O importante é mantermos o controlo sobre a situação, sempre disse o pai. Eu já aprendi a controlar os sentimentos despertados pela música. Mas o jazz... O jazz, continua a ser aquela mescla de suavidade e nostalgia, de tristeza incompreensível e ataraxia imbatível. Ai, sabe tão bem ouvir sem saber o que se sente de tão numerosos que são os sentimentos, achar que reencarnei por estar certa de que vivi naquele tempo, de que experienciei aquelas vidas, de que fui um Louis ou uma Ella, de que fiz parte de um quinteto como o Coltrane e o Miles, parece que me lembro de emergir de New Orleans para New York num instante, aiii os loucos anos 20 e depois os sensuais 50, prémios entregues pela Marilyn e pelo Dean, actuações em bares nocturnos de ruas movimentadas, aquela sonoridade que invadia as mesmas, ambientes de fumo e mulheres emancipando-se, cheiro a Chanel nº5...
Se existisses, Deus, deixar-me-ias viver tudo isto, autorizar-me-ias a sentir o jazz onde e quando ele verdadeiramente foi jazz, quando a música não era cantada, mas sim melodizada, quando o reino dos pássaros era título de música e a sensualidade não se avaliava pela futilidade dos corpos, mas antes pelo sentimento ínclito e invulgar da arte.


sábado, 5 de janeiro de 2008

pas de promesse à l'éternel

Eram tão doces as manhãs de sábado passadas na tua cama,
os nossos corpos aconchegados um no outro. O teu quarto tinha aquele cheiro de que não me recordo mas que reconheceria perfeitamente caso me deparasse com ele, cheirava a ti. Eu é que não me deparo contigo há muito tempo, tu foges.
Lembro-me tão bem de repetires vezes sem conta, que poderias morrer ali, naquela cama comigo, porque morrerias feliz. Éramos tão crianças, não éramos amor? Mas eu gostava tanto, tanto de ti. E dizia que sim, que poderíamos morrer ali naquele momento.
Foram tantas as vezes que conversámos sobre a nossa vida futura. Os nossos bebés, a nossa casa, as nossas viagens... E eu queria que o tempo parasse, para poder ficar ali contigo o tempo que quisesse, mas antes do almoço tinha sempre que deixar-te. Ficavas à varanda a dizer-me adeus e a mandar-me mensagens a dizer que me amavas, até que eu desaparecesse escondida pelos primeiros prédios daquela subida que eu só gostava de fazer depois de ter estado contigo. Agora faço-a todos os dias arrastando os pés e desejando que o cigarro dure até ao final da rua, para não me sentir sozinha. E o pior, é que já te vi naquela tua varanda a fazeres a outra pessoa o que fazias comigo.
À noite, quando te deitavas, dizias que a tua cama cheirava a mim e eu ficava contente. Sentia-me tão amada e parecias ser tão feliz comigo, que mais nada importava.

Não deverias, nunca, ter-me prometido que seria para sempre.
Se soubesses como são amargas agora, as minhas manhãs de sábado...

domingo, 16 de dezembro de 2007

ironia natalícia

As pessoas agrupam-se em multidões pelas ruas, em que soam os mesmos cânticos de sempre, provenientes de colunas que na minha opinião não deveriam estar espalhadas por toda a cidade, muito menos à porta do meu prédio. As lojas vêem-se invadidas por essas multidões, parece que toda a sociedade decidiu sair de casa na mesma altura, as crianças correm de loja em loja exigindo toda uma quantidade supérflua de brinquedos, os adultos encontram conhecidos e acabam por demorar uma tarde a escolher algo que encontrariam numa hora, não fossem as interrupções findadas pela expressão “Boas festas”.
É verdade, mais uma vez é Natal. Afinal, o que é esta quadra senão o repetir de tarefas, ano após ano, em que nos encontramos mais velhos e em que também consumimos mais que no último? Ora, vejamos... Prenda para a mãe, para o pai, para o irmão, para os tios, para os primos, para os primos desconhecidos, para a vizinha, para os amigos, para a irmã do namorado, para aquela enfermeira simpática que tratou do avô no hospital, para o senhor do café da frente... ah, e claro, para o cão e para o gato, que também merecem e conhecem perfeitamente o significado da quadra natalícia! A juntar aos presentes, o bolo rei (e o rainha!), as filhoses, os sonhos, os frutos secos e mais uma quantidade ridícula de alimentos, que enchem as mesas das casas dos ricos e dos não tão ricos também. E é claro que como é Natal, se torna impensável comer bifes ou
pizzas. Vamos lá comprar então o perú, o bacalhau e o cabrito que enchem mais o olho. Também demoram uma tarde a ser confeccionados, mas não faz mal, até vale a pena, afinal é Natal e fica bem para as visitas.
Não vamos à igreja? Não acreditamos em Cristo nem no S. Nicolau nem nos santinhos todos? Atrevemo-nos a dizer que somos ateus? Não há problema, o Natal é para todos. Mesmo que a base de toda esta quadra resida aí, sim, mesmo aí, na religião, na igreja, no S. Nicolau, no Cristo, o que interessa se acreditamos ou não? É giro celebrar porque é Natal, porque vamos receber e dar prendas e andar pela rua e ver gente e comer bem e ouvir as mesmas musiquinhas de sempre, não pelo que nos é transmitido pela história, ora essa!
E se entramos em casa para nos refugiarmos da onda que anda lá fora, a coisa ainda pode piorar. Ligamos a tv e oh, anúncios a brinquedos, programas do tipo “Natal nos Hospitais”, sketches dos famosos a desejarem um
Feliz Natal, filmes natalícios, há muito para escolher. Hum, cansados de tv, clicamos no play do rádio e, mais uma vez, como se não bastasse a coluna que está à porta do meu prédio e todas as outras espalhadas pela cidade, lá se vai ouvindo o “Santa Claus is Coming to Town” ou o “Last Christmas”. Mas são músicas tão giras, não são? E ficam no ouvido, que engraçado!
Não neva na nossa cidade nem nos arredores? Poderia ser um problema mas não é, ah ah! É que estamos tão bem financeiramente, que nos damos ao luxo de ter pistas de gelo, rampas de ski, tudo com neve artificial... Mas parece verdadeira! E se não temos programa para a tarde de amanhã, porque não dar um salto à
Vila Natal em Óbidos? Centenas ou milhares de pessoas devem estar a ter a mesma ideia, mas é Natal, por isso nem custa tanto estar na fila à espera para pagar 5€ e entrar.
Os amigos desaparecem todos durante dois ou três dias. Sim, o Natal é para passar em família, nesta altura pouco importam os problemas da herança do tio-avô que morreu, o adultério da prima, a mudança de casa do irmão... É só sorrir, dar e receber em troca. E olha que boa altura para sermos altruístas e solidários e dar a comida que sobrar aos sem-abrigo, para terem um Natal mais recheado! Mas só porque é Natal. Eles no resto do ano não precisam, é por isso que não lhes damos nada.
E se não entrarmos no espírito? Será que podemos ficar a ganhar? Eu, no ano passado, fiquei. Digam-me, o que há de melhor que a companhia do sofá, do cobertor, das séries, de um bom livro, dos filmes, do marlboro, do papel e de uma caneta? Ah, falta a
pizza, claro. Mas o meu querido irmão foi ao supermercado comprar uma num instante.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

would you go to bed with me?

Corre por aí a piada de que o sexo é como as três redes móveis nacionais. Vamos buscar o slogan da Vodafone, juntamos o da Optimus e completamos com o da TMN, o que resulta na seguinte combinação: "How are you? Segue o que sentes. Até já".
O sexo em si, é um acontecimento repugnante. Os humanos transformam-se em animais do mais puro irracional que exista, o sentir sobrepõe-se ao pensar e nada mais importa para além do prazer físico, vamos lá trabalhar para atingir o clímax e terminar a coisa, é o único pensamento que nos ocorre.
O sexo associado ao amor, sim, é o que de mais belo e único há na vida. Não são apenas corpos, são almas. Não são apenas órgãos genitais, são dois corpos distintos que se complementam. Não é a busca incessante do prazer físico, mas sim um importante contributo para o bem-estar psíquico. Não é um estranho que olha com prazer para o corpo do outro, mas dois amantes que observam para lá do que é visível. Não é, de todo, um comportamento individualista que visa a obtenção da satisfação pessoal, mas antes uma partilha de sentimentos que proporciona um contentamento mútuo. É a reciprocidade de quem se ama.

Deixemos a repugnância do sexo para os animais.
Façamos amor, portanto.

domingo, 25 de novembro de 2007

and you can tell me your reasons but it won't change my feelings

Poderás dizer que já não, mas eu direi sempre que sim. Não me importa o que sentes por mim, porque eu sei o que sentiste. Ensinaste-me o amor, ensinaste-me a dor e eu já não sei usar o primeiro sentimento para controlar o segundo. Mas, só porque não estás. Porque resolveste partir, sem dizer adeus, sem me avisares da tempestade que viria e me deixaria completamente desabrigada, sem a parte de mim que decidiste tirar e levar contigo (para sempre?). Afundei-me num mar repleto de seres desconhecidos (e imaginários) que são o meu próprio ser. Tornei-me em mil pessoas numa só, tudo porque o que eu mais queria era ser de novo a pessoa que tu amaste. E já não me lembro de como era ela, recordo apenas que era alguém feliz. Alguém com um característico sorriso de criança, um olhar tão absorvido em ti, que o mundo, a teu lado, era insignificante. Praticamente inexistente.

Poderás até mencionar as razões que te levaram a deixar-me neste abandono sem fim e farás parecer com que a culpa seja totalmente minha. Não sei se foi, mas as tuas razões não serão nunca suficientes para eu deixar de sentir o que sinto por ti. Apraz-me saber que não morrerei por inteiro sozinha. Levarei comigo aquilo que também decidi roubar-te: o teu amor por mim.


quinta-feira, 15 de novembro de 2007

ma lettre pour toi, maman

Tenho saudades de chegar a casa e contar-te tudo o que aconteceu na escola, uma quantidade enorme de coisas insignificantes, que te faziam sorrir tal era o brilho dos meus olhos quando te dizia que tinha aprendido a fazer contas de multiplicar ou que havia recebido um Muito Bom numa composição.
Recordo a tua voz meiga que me acalmava quando algo não estava bem e eu esperava que fosses ao quarto dar-me um beijinho de bonne nuit, para partilhar contigo as minhas angústias e preocupações de criança. E eu chorava, sem medo, apenas para me libertar da dor que esses sentimentos me
provocavam. E o teu abraço logo fazia com que se atenuassem e, de seguida, o sono se encarregava do seu desaparecimento.
E começava um novo dia. O meu empenho na escola primária fazia esquecer os outros meninos barulhentos, que não eram nada como os da escola suíça, todos sossegados como eu. Mas houve momentos em que me sentia profundamente triste. Passava os dias em casa, a ler os livros de Uma Aventura e a desenhar momentos da vida que havia ficado na Suíça.

Tu sabes que eu nunca me quis vir embora.

Agora mal via o pai, não conhecia ninguém, e tu, com o teu novo trabalho só tinhas mesmo tempo para estares comigo à noite quando me ias dar o beijinho.
Gostava dos fins de semana passados em casa do moinho da avó. O avô ensinou-me a geografia de Portugal e partilhou comigo a sua paixão pelo campo. Mas eu sempre preferi as grandes cidades, tu sabes. A avó, aquele ser fantástico que cozinhava os meus pratos de eleição, passava as tardes a observar-me, estendida no chão ao sol a montar Legos e a brincar com carrinhos. As barbies nunca tiveram lugar na minha arca de brinquedos.

E de vez em quando lembrava-me que tinha saudades da Anne e da Véro, e da minha prima Johanna e dos meninos todos da creche e da escola. Mas não importava, porque eu tinha a minha mamã. E eu era motivo de gozo porque continuava a chamar-te mamã aos 8 anos, quando todos os outros já apelidavam as suas por mãe. Mais pour moi, tu seras toujours ma maman.

E desde essa idade que me habituaste a ser incrivelmente responsável e eu tomei o gosto da responsabilidade. Adorava que me desses tarefas de crescidos, quando todos os outros passavam as tardes a ver o Batatoon e programas do género. Chegava a casa com um ar triunfante de cada vez que me tinhas pedido para ir ao banco depositar um cheque ou simplesmente me pedias para ir num instante ao supermercado comprar limões. Era tão importante para mim saber que confiavas nas minhas capacidades, que confiavas em mim. Mais do que no Sandro até.

E foi então, que sem dar por isso cresci. Comecei a preferir as idas ao cinema com os amigos do que as noites passadas na tua companhia. E depois do cinema, as festas de anos, as dormidas fora, os bares, as discotecas. E tu, sozinha em casa a insistires para que eu voltasse "não muito tarde" para poder ver contigo o documentário ou o filme que ia passar na tv. Com o pai longe, não gostavas que eu e o Sandro saíssemos. E de cada vez que eu ia à caixa de mensagens recebidas, esta já acumulava algumas tuas a dizer "estou à tua espera, está quase a começar" ou "está tanto frio na rua, vem para casa", mensagens essas que eu instantaneamente apagava. Quando voltava a casa, tu já te encontravas deitada (sempre gostaste de te deitar cedo) e eu ia lá dar-te um beijinho e reclamavas com o odor a tabaco, foi um vício que pegou cedo em mim. Depois quando eu apagava a luz, acrescentavas numa voz simultaneamente triste e zangada "Eu pedi-te para vires cedo, Tatiana. Quando o teu irmão chegar, diz para ele vir aqui dar-me um beijinho."
E eu ia para o sofá, ver tv, algo que agora que cresci ainda mais, me faz querer voltar atrás. Porque em vez de me sentar no sofá quando chegava a casa depois de uma noite em que os amigos e o álcool me preenchiam, não sabes o quanto eu desejo que pudesse ter sido diferente e ter-me sentado no sofá à hora dos documentários e filmes que tu tanto insistias para que eu visse contigo. Trop tard, maintenant.

Os amigos, a escola e uma ou outra paixão de adolescência, ocupavam agora todo o meu tempo. Já não sentia a falta da Suíça, o telefonema mensal do pai satisfazia-me, a primeira depressão do Sandro passou-me um pouco ao lado e sempre que tentaste falar comigo para ver se conseguias impor em mim o gosto de estar em família, que aos poucos eu perdi, acabámos por discutir e as nossas divergências levaram muitas vezes a que as tuas emoções se transformassem em choro e eu simplesmente mantinha o meu ar de indiferença para contigo e passava meia-hora diária na tua companhia, que era a hora do jantar, muitas vezes sem proferir uma única palavra.
Pensei saber o que era sentir ódio por alguém quando me começaste a castigar, tirando-me o telemóvel, a net, proibindo as minhas saídas. Mas hoje sei que nunca te odiei, embora eu saiba e tu também, que não tinhas o direito de ter deixado sair da tua boca algumas frases horríveis que ainda hoje ecoam nos meus ouvidos. Mas sabes, a experiência ensina-nos a perdoar e eu compreendo as tuas razões, embora seja difícil aceitá-las.

Cada dia que passava, distanciávamo-nos mais. E com o Sandro estável da depressão e eu com 16 anos, achaste que já era altura de regressares para junto do pai. E eu fui a primeira a apoiar-te. O problema foi o que se sucedeu à tua decisão, até ao dia de partires. A morte do avô transformou-te. Tornaste-te aos meus olhos ainda mais insuportável. Uma parte de mim queria ver-te pelas costas, é certo.

E partiste.

Uma avalanche de acontecimentos apanhou-me desprevenida. Viver sem pais, não é decididamente aquilo que se vê nos filmes. E se as saudades do pai se foram desvanecendo à medida que os anos foram passando, o mesmo não se pode dizer das primeiras semanas sem ti. De cada vez que o telefone tocava eu ia a correr, na esperança que fosses tu. Depressa o Sandro voltou a ser dominado pela depressão. E de certa forma, eu também. Deixou de ser importante tirar boas notas, porque tu não estavas em casa para eu te mostrar os meus testes quando chegava da escola. O vício do tabaco instalou-se em mim definitivamente e juntaram-se a ele, uns quantos outros, até mesmo o hábito de fumar ganzas, que anteriormente era algo que eu tinha completamente fora dos meus planos, começou a fazer parte dos meus fins de semana e mais tarde do meu dia-a-dia. Os teus cozinhados, o teu cheiro, a tua voz, o toque das tuas mãos nas minhas, a força do nosso abraço, até mesmo as nossas divergências, deixaram de fazer parte desta casa, deste meu mundo, de mim.
Não tens noção de tudo o que eu tive que enfrentar. Ajudar o Sandro, acordar todos os dias para ir para a escola e esforçar-me por ouvir o que aquelas pessoas que não sabem nada das nossas vidas têm para nos ensinar, que é tão pouco comparado a tudo o que eu tive que aprender para chegar até aqui e continuar a ter forças para ter objectivos de vida. Partiste na pior altura. E não pretendo culpar-te por isso. Só quero que saibas, porque eu nunca consigo dizer-te nada.

E agora aqui estou eu, a viver sozinha. O Sandro não aguentou e foi para junto de ti e do pai. E eu, será que me aguentei? Gostava de poder dizer-to. Que sou uma pessoa vazia. Que nada do que faço, me deixa feliz. Que tudo aquilo com que sonhei para mim, não aconteceu (ainda). E eu temo que nunca venha a acontecer, porque eu já não sou a pessoa que um dia antes fui. Sinto-me terrivelmente diferente. E o mais angustiante, é ter a certeza de que preferia o meu antigo eu. O meu eu feliz. Ouso dizer que tenho saudades de mim, muitas saudades. Mais do que aquelas que sinto por ti ou pelo pai ou por todas as outras pessoas que não posso ter comigo sempre que quero e preciso.

E deixo consumir-me pelo vazio. Que age tal como eu passo a maior parte do tempo. Em silêncio. Tento mostrar aos que me rodeiam um pouco do meu antigo eu, mas quando estou só, é sempre a Tatiana actual que predomina. E não sei quanto tempo mais, conseguirei fingir que sou feliz, que tenho tudo aquilo de que preciso, quando na verdade me sinto vazia, completamente vazia. E sabes, eu gostava de não ter que usar a escrita para exteriorizar os meus sentimentos. Mas é tão fácil transformar os nossos sentimentos em palavras, resumir a nossa vida numas quantas linhas... Porque tudo é feito em silêncio. E é com frustração, que assumo, que não conseguiria dizer-te tudo aquilo que acabei de escrever, a olhar-te nos olhos. Não vale a pena questionares porquê. Eu não o sei. Mas sei que provavelmente partirás deste mundo sem nunca leres isto e sem que eu nunca consiga dizer-to. Mas o mais importante... tu sabes, mamã:

Je t'aime très très fort. Et je n'oubliera jamais l'amour que tu m'a donnée. L'amour de maman. De ma maman.

Ta fille, Tatiana.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Um pouco de Pessoa (em mim)

"Quem ama nunca sabe o que ama,
Nem sabe porque ama,
Nem o que é amar.
Amar é a eterna inocência
E a única inocência é não pensar."

(Alberto Caeiro) Fernando Pessoa


É perturbante a forma como me revejo em Pessoa. Não sendo poetisa nem escritora, não finjo o que escrevo, mas finjo o que vivo. Metade do que vivo, é mentira. Porque metade do que vivo, não vivo. Imagino. Consigo elaborar na minha mente o desenho do meu eu ideal, de momentos que poderiam ser reais, não fossem eles fruto da minha imaginação. Esboço incessantemente o que seria a perfeição, caso ela existisse. E sonho com ela. Sonho acordada. Não é um sonho enviado pelo inconsciente, é a vontade do meu consciente que manda em mim. Simulo mentalmente os meus dias futuros comandados pela perfeição. E esqueço-me de que eles estiveram próximos de acontecer, no passado. E eu era um ser tão inocente, que não senti o que era ser feliz. Se senti, essa lembrança ficou-se-me nesse passado, nesse passado distante.


Às vezes questiono-me se não haverá quem partilhe dos meus sentimentos, se não existirá quem não consiga alcançar a felicidade que tanto procura, mas que por momentos, efémeros momentos, se sinta feliz sem ela. Porque mesmo não possuíndo nada do que me faria feliz, eu sinto-me bem. É como se me tivesse habituado a não ser feliz. A não procurar a felicidade. E mais importante ainda, a não colocar nos outros a responsabilidade de me fazerem feliz. E não é por isso que não amo. Amo, amo incondicionalmente. Ao contrário de Pessoa, não consigo racionalizar tudo aquilo que experiencio. E tal como ele afirma, eu não sei porque amo nem o que significa amar. Mas há alturas, de maior lucidez, em que conheço o objecto do meu amor. Noutras, limito-me a procurá-lo sem que consiga encontrá-lo.
Eu só gostava de poder não amar. De alcançar a plenitude sem necessitar de outrém. De me restringir à minha pessoa para conseguir tudo aquilo de que preciso. De me sentir apertada no meu próprio abraço ou de aquecer o meu âmago com o meu beijo, transmitindo-lhe todo o amor que sinto e não consigo dar. Porque eu amo, mas não amo. Imagino que amo. Tal como penso que sei o que é o amor, mas não sei. Imagino que sei. Porque se existem na minha memória, recordações do que é sentir amor e sentir-se amado, estarão de certo escondidas. Direcciono o meu olhar para o meu interior, frequentemente. E nunca as achei.


Perco-me nos meus pensamentos e talvez por isso, ame sem amar. Entrego-me ao subjectivismo, o que possivelmente me faz sentir que não preciso de ninguém para me sentir feliz. Mas preciso. E preciso tanto. Tento esquecer aquilo que não sou, desprezar todo o meu ideal de perfeição que jamais conseguirei vir a ser. Cingir-me àquilo que realmente sou, que posso ser, que deveria querer ser. Porém, não gosto do que sou. Não gosto. E não gosto, porque não sei o que sou. Tenho a certeza de que posso ser tantas pessoas diferentes, que acabo sempre por me confundir e não saber qual sou na verdade. E aos olhos de uns sou tão normal, aos olhos de outros transmito tanta ideia absurda que isso fá-los questionar sobre a minha sanidade mental. Para ti pode parecer que estou sempre rodeada por pessoas que me amam, mas para outra pessoa qualquer deixo apenas transparecer o meu ar solitário. E no meio de tantas características que servem para eu desenhar cada uma das minhas máscaras sociais, acabo por não conseguir encontrar a minha máscara de origem, aquela que não é mascarada. Aquela que é minha pele, meu corpo, minha alma. Meu eu, meu verdadeiro eu. E é então que descubro porque me sinto tão bem sozinha, sem ser feliz. Não é uma questão de hábito, como pensei que fosse. É saber, que quando estou só, não necessito de usar qualquer máscara. Posso ser eu, somente eu. Sem transmitir nada. Sem deixar transparecer qualquer característica inventada. Porque mesmo não sabendo o que sou, sei que quando estou só, sou eu. Sou eu de verdade. A face mais sincera do meu eu flutua na minha mente e não se torna necessário fingir o que não sou. Aquilo que gostaria de ser e não posso ser. Afinal, não preciso de ser nada. Basta-me existir. Tenho-me a mim. E sei que a mim própria, não preciso de provar nada.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

o refúgio das noites de sobressalto

Fico de pé e observo o céu por momentos. Acendo um cigarro e sinto o alívio da nicotina percorrer-me o sangue, consciente do fumo que se instala nos meus pulmões. Passam das três da manhã, tenho aulas amanhã. Mas o calor dos lençóis tornou-se desconfortável e um sonho a roçar o pesadelo impediu-me de continuar no sono intraquilo que me foi destinado para esta noite. Consigo ver luz em três janelas, o que estarão a fazer pessoas acordadas a esta hora? A ver televisão, talvez. E eu que não ligo a minha há meses numa tentativa desesperada de me isolar do mundo. Parece que quanto mais tento, mais ele me invade e se torna perturbador.
A chuva cai, mas não sinto frio. A minha mão treme um pouco ao levar o cigarro à boca, deveria ter jantado mas a fome não apareceu hoje. Conto pela primeira vez o número de palmeiras existentes na rua e fixo de novo o meu olhar no céu. Não há estrelas, pelo menos eu não vislumbro nenhuma. A lua está pintada de um branco brilhante e surge com uma forma diferente que da última vez que a observei. Já não há tabaco no cigarro, atiro-o e ouço-o cair na calçada suja, vendo faíscas saltarem apenas por um segundo. Uma calma desnorteante consome-me agora, a cama espera-me mas não quero lá deitar-me. Percorro com o olhar a sala, admiro a desarrumação em que se encontra. Visito os outros quartos da casa, vazios e frios. Há muito que ninguém ocupa estas camas, nem se olha a estes espelhos. Regresso ao meu quarto, sinto-o vazio e frio como os restantes, embora eu aqui pare todas as noites procurando descanso da vida que tanto me exausta. Há tantos livros nas estantes, tantas fotografias nas paredes. E eu continuo a achar a minha vida algo de inane. Pouso o meu olhar numa fotografia em particular. Numa das nossas fotografias. Se ao menos tu não tivesses saído da minha vida deixando apenas vacuidade, se ao menos eu pudesse ter-te na cama à minha espera... Talvez os sonhos não fossem pesadelos, talvez às três da manhã eu pudesse estar adormecida num sono profundo e sossegado, talvez não necessitasse de um momento com o cigarro na varanda para me acalmar, um beijo teu bastaria.

O teu corpo seria apenas o refúgio da minha alma inquieta, se não quisesses nada mais que isso.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Francisco

Poderias ser o homem da minha vida, neste momento. Não o és, porque não queres, porque não sabes dar aos outros sem, primeiramente, pensares em ti, na tua satisfação pessoal.
Em muitos aspectos, és igual a mim. Gostas de ver séries e filmes, fumas ganzas, consideras-te inteligente, sabes escrever, és um idealista que prefere excluir a realidade e achar que tudo tem que acontecer como tu o planeaste, vives com aquele a que eu gosto de chamar de síndroma do dependente da depressão.
Mas tu exageras em tudo isso e eu não. E acho que é por isso que tantas vezes nos desentendemos. O facto de achares que és mais inteligente do que eu e que tens sempre razão, tira-me simplesmente do sério. E as tuas teorias machistas só me fazem querer bater-te até abrires essa mente que é tão à frente para algumas coisas e tão retrógrada para outras. Eu gosto mesmo de ti. Não te quero mudar, porque não tenho esse direito, mas tu podes mudar e acho que devias fazê-lo. Sou tua amiga, como poucos o serão e sei que esta nossa relação durará para além da adolescência, para lá da distância, independentemente de tudo o que esteja para vir e atravessar-se nas nossas vidas. Porque uma pessoa interessante como tu nesta cidade, nunca encontrei. Mas és homem. E pensas demasiado com a cabecinha de baixo. Para além de achares que amas. Esqueceste-te de que apenas alguns homens têm a capacidade de amar e esta só se demonstra depois de uma certa idade. Tu ainda não a atingiste, mas quando atingires talvez eu esteja à espera, para te congratular. Porque tu vais ser dos que amam, só não devias era querer viver tudo agora e amar sem teres capacidade para isso.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

not guilty

Não me evites como se tudo o que eu dissesse não passassem de blasfémias, como se os meus sentimentos por ti fossem repugnantes e depravados, como se as minhas acções nada mais fossem que ignóbeis e obscenas.

Tu também o disseste, sentiste e fizeste, noutra altura, em que não haviam discrepâncias e nos encontrávamos em perfeita sintonia.
Foste tu que mudaste, não eu. Então não me culpes pela tua mudança.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Sara


My sweet and tender hooligan,

Tenho a certeza de que os dedos das minhas mãos seriam suficientes para contar os dias que passei contigo durante este verão. Mas eu sei que a culpa não é tua.
Aliás, agora quem está fora sou eu. Provavelmente, já estiveste em Genève. Para ti férias é sinónimo de viajar e ainda bem que assim é. O lago. Os barcos. O Jet d'Eau. As montanhas ao fundo. O verde da Natureza. Os prédios centenários. É isto a Suíça, é isto a minha cidade. Nada mais do que aquilo que a imagem do postal transmite. Sabes que para mim os lugares pouco importam, as pessoas é que são e fazem a vida. Mas conciliar pessoas e lugares talvez não seja má ideia, por isso um dia, quando as Caldas deixarem de ser o local da minha residência, vens cá comigo e desfrutarás da Suíça, (que é um dos países mais bonitos do mundo, eu é que estou revoltada por ter que vir habitá-la) enquanto eu aproveitarei para matar saudades da minha melhor amiga.
Por falar em saudades, o conforto familiar não substitui os momentos de amizade que eu e tu nos proporcionamos mutuamente. Só quero que saibas que a tua distância me entristece. Para mim, o hábito é pior que o vício. E a rotina que criei contigo no ano que passou tem que voltar a ser posta em prática rapidamente. Porque tenho mesmo saudades tuas.
Beijinho.


Je t'aime,
Tatiana

terça-feira, 24 de julho de 2007

Diogo


E pensar que a nossa história começou no hi5 e continuou no Green Hill, numa noite com álcool e droga à mistura, em que acabámos por não nos preocupar com mais nada senão com a procura do prazer físico? Esboça-se um sorriso na minha face, por ter pensado que serias apenas só mais um dos inúmeros rapazes que eu já usei para esquecer a dor que habita a minha alma através da satisfação do meu corpo que não sente. Mas não, tu tornaste-te em algo tão mais forte e grande que isso, que me sinto estúpida por alguma vez ter pensado que serias apenas mais um como os outros.
Se há amigos de verdade, tu és um deles e eu, apesar de nunca to demonstrar, estou muito grata por me proporcionares verdadeiros momentos de amizade e felicidade. Este verão, está a ser tão divertido contigo. Se não fosses tu, eu passava muito mais tempo só e não deveria passar tempo só, porque isso me faz pensar e quando penso, penso em coisas que me fazem mal. Quando estou contigo nunca penso, desfruto do momento porque é isso mesmo que me dá vontade, de me rir e divertir contigo.
Eu gosto mesmo de ti, Diogo.
E desculpa se não consigo demonstrar o que sinto, mas acho que demonstrei demais os meus sentimentos no passado e prefiro conter-me e controlá-los agora, para evitar grandes emoções, sejam elas positivas ou negativas. Mas não te esqueças, estás a proporcionar-me um dos melhores verões que já vivi.

E como eu gostava que pudesse ser verão o ano inteiro...

quinta-feira, 5 de julho de 2007

desejos paradoxais

Amanhã gostava de ir à praia e de fazer ski. Gostava de ficar em casa e de passar o dia na rua, de ler um livro e de escrever outro, de comer carne e saborear uma bela posta de peixe. Gostava de fazer sexo e amor em simultâneo, de ser adulta mas criança, de me sentir homem mas possuir um corpo de mulher, de não pensar e elaborar uma teoria. Gostava de amar mas saber o que é odiar, de ser amiga e apunhalar pelas costas, de experimentar heroína sem consumir droga, de morrer mas continuar viva.
Gostava de tudo e de nada, gostava de saber o que é o tudo e o nada, de experienciar tudo o que quero. Mas não sei o que quero, por isso mais vale não experienciar nada do que o que não quero.

E a vida passa-me ao lado.

terça-feira, 8 de maio de 2007

ela sente, escreve e lê

Agarra com a mão trémula a caneta e usa-a transformando em palavras os sentimentos que lhe atordoam a alma. Ela não sabe quem é, nem sabe o que sente. Mas sabe que o é e sabe que o sente. E sabe também que o que é, gostaria de não ser e, que desejaria escolher o que sente.
Ela escreve, sossegadamente.
Porque quando escreve, o que sente movimenta-se da alma para o papel e aquilo que nele escreve, lê-o posteriormente. E quando o lê, não sente, sabe apenas que o sentiu.
Chora então, por ter sentido.
As lágrimas pousam no papel, branco e fino. Absorvidas, dão textura às palavras que antes haviam sido sentidas. Sente saudade do que sentiu, mesmo que o sentimento lhe tenha apedrejado a mente, mesmo que a dor tenha sido tão intensa que, por momentos a sua alma se tenha quebrado, mesmo que um dia a raiva a tenha invadido de forma a que o simples gesto de falar se assemelhasse a um grito ensurdecedor proveniente das entranhas do seu corpo.
Esqueceu-se de que tem corpo, de tão grande que lhe é a alma.
Ela sempre disse que não deixaria nunca que o amor a destruísse , porque o amor constrói-se tão cautelosa e lentamente. A desaparecer, seria progressivamente e não lhe acabaria com a vida num segundo.
Acabou-se-lhe a vida num segundo.
Porque para ela, o amor foi tudo. O amor é tudo. Ela não sabe viver sem amar, nem sabe amar sem escrever. Quando ama, escreve. E depois lê. E chora por ter amado, por ter amado tanto que se esqueceu que deveria ter deixado que a amassem também, que deveria ter dado liberdade a quem amou para escolher se queria ser amado tão fortemente.
Não deu liberdade a quem amou.
E agora que faz ela? Escreve o que sentiu e chora quando o lê. Porque não pode mais senti-lo, se o sentir de nada lhe servirá porque ninguém mais poderá senti-lo. E para ela o mais triste que pode existir, é ter tanto amor para dar e ninguém que dele se queira servir para ser feliz.

É triste também, que ela não seja feliz.
Rasga o papel, parte a caneta. Mas não pode rasgar sentimentos, nem partir o coração. Do que ela gostava, era de que a alma fosse física como o corpo, para se poder esquecer de que a tem.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

in a manner of speaking

In a manner of speaking I just want to say, that I could never forget the way, you told me everything by saying nothing.
In a manner of speaking I don't understand, I love when silence becomes repriment, the way that I feel about you is beyond words.

Oh, give me the words. Give me the words, that tell me nothing.
Oh, give me the words. Give me the words, that tell me everything.

(...)


Nouvelle Vague

sábado, 31 de março de 2007

águas de março

Observo o mar.
Quebram com violência, as ondas. E as gaivotas, assustadas, esvoaçam para um outro pedaço de areia qualquer, buscando protecção. Sentem-se agora protegidas, mas eu não.
Observo o céu.
Os relâmpagos invadem-no e irradiam o meu campo de visão, deixando soar segundos depois o tremendo estrondo da trovoada. Um cão ladra, procurando deixar transparecer o seu medo. É escutado pelo dono, que o reconforta. Já não tem medo, mas eu sim.
Observo a praia.
Não vislumbro agora vivalma. Onde foram todos? Não sei. Toco com a mão na areia e acaricio os inúmeros grãos de areia da superfície. Macios, suaves, todos tão juntos. Se fossem gente, certamente seriam felizes. Eles nunca estão sós, mas eu sim.
Agora chove.
Não observo a chuva, sinto-a. As gotas caem-me no corpo e percorrem-no apressadamente como se quisessem, também elas, abandonar-me rapidamente. Talvez queiram, porque são como tu. Elas não sentem, mas eu sim.


A promessa de vida no meu coração? Foi-se.
Caminho, com a expectativa, de que em Abril volte. (A chuva de) Março fica para trás.

domingo, 18 de março de 2007

Droga


Olhei através da janela e pareceu-me ver a tua sombra desenhada na parede branca do prédio da frente. Os braços caídos ao longo da silhueta do teu corpo que tantas vezes fora meu, as pernas altas e fortes aguentando o tronco a que tantas vezes me abracei quando o medo de te perder me invadiu, agora era até a forma como o teu reflexo se movia, suavemente, através dos vidros das lojas do rés do chão. Eras tu, não tive dúvidas.


Mas, segundos depois de ter desviado o meu olhar para dentro, olhei outra vez pela janela. E já lá não estavas.
Subitamente, questionei-me se te terias ido embora tão rapidamente que nem me apercebi. Ou se os meus vícios começavam a resultar em deambulações por outros mundos que não o meu.



Olhei uma terceira vez e reparei. O prédio da frente não tinha paredes brancas, nem lojas no rés do chão.






segunda-feira, 5 de março de 2007

noa perle & marlboro

Por vezes, questiono se sentirás saudades do meu cheiro. Não me lembro de como era o meu cheiro. Lembro-me do perfume que usava e de que nessa altura não fumava, embora tenha partilhado contigo o meu primeiro cigarro, numa daquelas tardes em que a nossa relação era ainda somente de amizade e muito riso à mistura. Era tudo tão simples, sem angústias e noites mal dormidas. A amizade é, efectivamente, algo de muito simples. Porque haveríamos nós, então, de complicar e transformar esse sentimento noutro tão distinto e complexo? A metamorfose ocorreu connosco sem que nos apercebessemos. Ou será que nos apercebemos? Eu senti-o, mas não soube o que era e deixei que se instalasse, porque, de certa forma, era um sentimento aprazível. Como se passou contigo, não sei. Falámos sobre isso, ao longo dos muitos meses em que partilhámos as nossas vidas, mas neste momento, não sei quantas das palavras proferidas por ti, foram verdade.
Se te chegasses a mim agora, verias como o meu cheiro mudou. O detergente certamente não será o mesmo, o perfume também não. E com estes dois, funde-se o cheiro a tabaco que me acompanha constantemente no dia-a-dia. Mas só tu me vias, tocavas e observavas nua. E despida de tudo o resto, o meu cheiro é nada mais que isso, o meu cheiro.

O mesmo cheiro que se misturava com o do teu corpo, quando fazíamos amor. Nada que se pareça com o odor a tabaco nem a Noa Perle, que todos sentem quando me cumprimentam, por cima de toda esta vestimenta que trago e que esconde um corpo, que porta um coração que tanto por ti sofre.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Que se sente

Existem palavras
Que não se limitam a ser
Escritas
(Nem ditas).
Invadidas pela
Necessidade de serem
Sentidas,
Provocam em nós
O desassossego
Da mente
(E da alma).
Perfuram-nos
O coração,
Que se habitua
A mantê-las
Dentro de si.
Não demonstro,
Que sofro
(E se sofro!)
De um mal
Que pode ser
Uma palavra.

Que se escreve,
Que se diz
(E se sente),

Saudade.


quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007

riders on the storm

Sul de França,
Verão 1993

Era noite, a escuridão adensava-se à volta da estrada, iluminada pelos faróis do carro, que era um Toyota, não me lembro de que cor. Sei que agora, ela tem um Audi preto.
E que na altura, eu era metade do seu tudo e que agora, a ser algo, serei apenas a recordação do que fui.
O velocímetro apontava para os 140km/h, ela gostava de conduzir depressa e a destreza com que o fazia era notável. Pelo menos, para mim.
Sentada descontraidamente, como se não estivesse a conduzir, fumava um cigarro, cujas cinzas atirava pela janela semi-aberta. Chovia. Era uma daquelas trovoadas de verão, de que eu tanto medo tinha quando estava em casa no meu quarto e o meu irmão contava histórias para me assustar. Mas o meu irmão não estava ali. Era só ela, eu e a outra metade do seu tudo, que ia sentada no lugar do morto, como o chamam.
Perguntei se faltava muito para chegarmos ao hotel. Ela sossegou-me com um não misturado com um sorriso. Ela levava-me sempre de férias, quer fosse para a montanha ou para a praia. Naquela altura, eu gostava mais dela do que de qualquer outra pessoa no mundo e sentia ciúmes da que ia no lugar do morto, porque dormiam juntas. Algo me perturbava, porque eu não era invadida pelos mesmos sentimentos, quando o meu irmão dormia com a minha mãe. Era só com ela.
Estes pensamentos atribulavam-me a mente enquanto o Toyota avançava por entre campos verdes, por debaixo do dilúvio que caía. Comecei a avistar luzes, casas e mar lá ao fundo.
"On arrive", murmurou ela docemente para mim, em tom baixo, para não acordar a que ia no lugar do morto. Elas amavam-se e eu era como que o prolongamento do seu amor, a criança que desejariam ter mas não poderiam nunca conceber.


Lausanne, 2007

Já não se amam. A que costumava ir no lugar do morto, morreu. Eu desapareci das suas vidas antes disso. E ela é feliz, sem mim, sem a que ia no lugar do morto.
Não deve, certamente, saber que posso não ter permanecido para sempre como o prolongamento do amor que sentia pela outra, mas que sou um prolongamento dela.

Também fumo, conduzo depressa e trazia alguém no lugar do morto, que já morreu.


domingo, 28 de janeiro de 2007

(Já) não sei sentir-me assim.

Neste momento sinto-me capaz de subir a árvore mais alta do parque e gritar que és tudo. Mais do que isso, sinto-me confiante para saltar do seu topo e desfrutar da sensação de liberdade da contínua queda do meu corpo. Porque tu estás lá em baixo para me segurares quando eu chegar ao chão. Para me dares a mão e prosseguirmos a noite lado a lado, sentindo o vento arrefecer as nossas faces enquanto os nossos corações quase se derretem de tanto calor exalarem. E deixo-me levar suavemente por ti, caminho ao ritmo do teu andamento enquanto apertas a minha mão contra a tua. Os meus dedos cruzam-se com os teus, e é como se neste momento, o mundo todo se concentrasse aqui, neste ínfimo espaço, que se encontra entre a minha mão e a tua.

Neste momento.


Apenas neste momento me apetece rir. Mas apetece-me rir como se fosse o último dia em que um ser humano tivesse tal oportunidade. Rio-me perante o teu sorriso. Rio-me por sentir os teus dedos se juntarem mais aos meus, rio-me por o espaço onde todo o mundo se concentra, aquele entre a minha mão e a tua, se estreitar cada vez mais. Não, agora o mundo não nos escapará mais. E rio-me porque me parece ouvir a tua voz dizer algo junto ao meu ouvido, que não compreendo imediatamente. Sabes porquê? Porque neste momento acabaste de proferir o verbo amar. A forma como tu usas o verbo amar é diferente. Porque me faz sentir a pessoa mais viva do mundo.
E é por isso que neste momento me sinto viva como nunca pensei vir a sentir-me. Pela primeira vez percebo, entendo, compreendo o conceito da palavra vida. Todos os significados que podem nascer a partir do tal conceito que agora domino completamente. Neste momento sei perfeitamente que serei eterna. Nós seremos eternas. Não mais acreditarei em efemeridades da vida. Nem tu. Porque sabes que me pertences e eu te pertenço. E será sempre assim. Sempre. Mesmo que um dia tudo acabe, o nosso mundo, que se encontra algures entre a minha mão e a tua, na infimidade de um espaço criado apenas e somente por nós, irá perdurar.


Neste momento realizas o meu âmago, a parte mais profunda do meu ser. E só me apetece mergulhar contigo num mar de ideias, sonhos e sentimentos. Enumerar contigo toda uma complexidade de objectivos que em conjunto iremos atingir. És objecto da minha afeição, és motivo da minha felicidade, da minha plenitude. Neste momento, és tudo.




quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Simplicidade vs. Complexidade

Poderia limitar-me a dizer que custa, que dói, que corrói, que magoa, que destrói. De cada vez que te olho nos olhos e tu desvias os teus, como se tivesses presente a ideia de que te quero afectar, afligir, incomodar.
Mas não. Não só custa, dói, corrói, magoa e destrói, como também não te quero afectar, afligir nem incomodar.


Mata.


E tudo o que eu quero quando te olho nos olhos, é tentar perceber o porquê dessa tua indiferença, dessa tua atitude que não é a mesma que um dia antes foi, dessa tua ausência da lembrança de momentos intensos e inesquecíveis vividos anteriormente (numa outra vida, talvez).
E pensar que tudo aconteceu antes do sonho. Primeiro sonha-se, depois deseja-se que o sonho se torne realidade. Comigo não. Tive, senti, vivi a realidade. Agora sonho.
Tudo, porque o caminho mais fácil foi o que decidiste seguir.


Sabes, é a simplicidade dos sentidos dos nossos corpos. Porém, é também a complexidade da vaidade das nossas mentes.