Agarra com a mão trémula a caneta e usa-a transformando em palavras os sentimentos que lhe atordoam a alma. Ela não sabe quem é, nem sabe o que sente. Mas sabe que o é e sabe que o sente. E sabe também que o que é, gostaria de não ser e, que desejaria escolher o que sente.
Ela escreve, sossegadamente.
Porque quando escreve, o que sente movimenta-se da alma para o papel e aquilo que nele escreve, lê-o posteriormente. E quando o lê, não sente, sabe apenas que o sentiu.
Chora então, por ter sentido.
As lágrimas pousam no papel, branco e fino. Absorvidas, dão textura às palavras que antes haviam sido sentidas. Sente saudade do que sentiu, mesmo que o sentimento lhe tenha apedrejado a mente, mesmo que a dor tenha sido tão intensa que, por momentos a sua alma se tenha quebrado, mesmo que um dia a raiva a tenha invadido de forma a que o simples gesto de falar se assemelhasse a um grito ensurdecedor proveniente das entranhas do seu corpo.
Esqueceu-se de que tem corpo, de tão grande que lhe é a alma.
Ela sempre disse que não deixaria nunca que o amor a destruísse , porque o amor constrói-se tão cautelosa e lentamente. A desaparecer, seria progressivamente e não lhe acabaria com a vida num segundo.
Acabou-se-lhe a vida num segundo.
Porque para ela, o amor foi tudo. O amor é tudo. Ela não sabe viver sem amar, nem sabe amar sem escrever. Quando ama, escreve. E depois lê. E chora por ter amado, por ter amado tanto que se esqueceu que deveria ter deixado que a amassem também, que deveria ter dado liberdade a quem amou para escolher se queria ser amado tão fortemente.
Não deu liberdade a quem amou.
E agora que faz ela? Escreve o que sentiu e chora quando o lê. Porque não pode mais senti-lo, se o sentir de nada lhe servirá porque ninguém mais poderá senti-lo. E para ela o mais triste que pode existir, é ter tanto amor para dar e ninguém que dele se queira servir para ser feliz.
É triste também, que ela não seja feliz.
Rasga o papel, parte a caneta. Mas não pode rasgar sentimentos, nem partir o coração. Do que ela gostava, era de que a alma fosse física como o corpo, para se poder esquecer de que a tem.