quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Um pouco de Pessoa (em mim)

"Quem ama nunca sabe o que ama,
Nem sabe porque ama,
Nem o que é amar.
Amar é a eterna inocência
E a única inocência é não pensar."

(Alberto Caeiro) Fernando Pessoa


É perturbante a forma como me revejo em Pessoa. Não sendo poetisa nem escritora, não finjo o que escrevo, mas finjo o que vivo. Metade do que vivo, é mentira. Porque metade do que vivo, não vivo. Imagino. Consigo elaborar na minha mente o desenho do meu eu ideal, de momentos que poderiam ser reais, não fossem eles fruto da minha imaginação. Esboço incessantemente o que seria a perfeição, caso ela existisse. E sonho com ela. Sonho acordada. Não é um sonho enviado pelo inconsciente, é a vontade do meu consciente que manda em mim. Simulo mentalmente os meus dias futuros comandados pela perfeição. E esqueço-me de que eles estiveram próximos de acontecer, no passado. E eu era um ser tão inocente, que não senti o que era ser feliz. Se senti, essa lembrança ficou-se-me nesse passado, nesse passado distante.


Às vezes questiono-me se não haverá quem partilhe dos meus sentimentos, se não existirá quem não consiga alcançar a felicidade que tanto procura, mas que por momentos, efémeros momentos, se sinta feliz sem ela. Porque mesmo não possuíndo nada do que me faria feliz, eu sinto-me bem. É como se me tivesse habituado a não ser feliz. A não procurar a felicidade. E mais importante ainda, a não colocar nos outros a responsabilidade de me fazerem feliz. E não é por isso que não amo. Amo, amo incondicionalmente. Ao contrário de Pessoa, não consigo racionalizar tudo aquilo que experiencio. E tal como ele afirma, eu não sei porque amo nem o que significa amar. Mas há alturas, de maior lucidez, em que conheço o objecto do meu amor. Noutras, limito-me a procurá-lo sem que consiga encontrá-lo.
Eu só gostava de poder não amar. De alcançar a plenitude sem necessitar de outrém. De me restringir à minha pessoa para conseguir tudo aquilo de que preciso. De me sentir apertada no meu próprio abraço ou de aquecer o meu âmago com o meu beijo, transmitindo-lhe todo o amor que sinto e não consigo dar. Porque eu amo, mas não amo. Imagino que amo. Tal como penso que sei o que é o amor, mas não sei. Imagino que sei. Porque se existem na minha memória, recordações do que é sentir amor e sentir-se amado, estarão de certo escondidas. Direcciono o meu olhar para o meu interior, frequentemente. E nunca as achei.


Perco-me nos meus pensamentos e talvez por isso, ame sem amar. Entrego-me ao subjectivismo, o que possivelmente me faz sentir que não preciso de ninguém para me sentir feliz. Mas preciso. E preciso tanto. Tento esquecer aquilo que não sou, desprezar todo o meu ideal de perfeição que jamais conseguirei vir a ser. Cingir-me àquilo que realmente sou, que posso ser, que deveria querer ser. Porém, não gosto do que sou. Não gosto. E não gosto, porque não sei o que sou. Tenho a certeza de que posso ser tantas pessoas diferentes, que acabo sempre por me confundir e não saber qual sou na verdade. E aos olhos de uns sou tão normal, aos olhos de outros transmito tanta ideia absurda que isso fá-los questionar sobre a minha sanidade mental. Para ti pode parecer que estou sempre rodeada por pessoas que me amam, mas para outra pessoa qualquer deixo apenas transparecer o meu ar solitário. E no meio de tantas características que servem para eu desenhar cada uma das minhas máscaras sociais, acabo por não conseguir encontrar a minha máscara de origem, aquela que não é mascarada. Aquela que é minha pele, meu corpo, minha alma. Meu eu, meu verdadeiro eu. E é então que descubro porque me sinto tão bem sozinha, sem ser feliz. Não é uma questão de hábito, como pensei que fosse. É saber, que quando estou só, não necessito de usar qualquer máscara. Posso ser eu, somente eu. Sem transmitir nada. Sem deixar transparecer qualquer característica inventada. Porque mesmo não sabendo o que sou, sei que quando estou só, sou eu. Sou eu de verdade. A face mais sincera do meu eu flutua na minha mente e não se torna necessário fingir o que não sou. Aquilo que gostaria de ser e não posso ser. Afinal, não preciso de ser nada. Basta-me existir. Tenho-me a mim. E sei que a mim própria, não preciso de provar nada.