Por vezes, questiono se sentirás saudades do meu cheiro. Não me lembro de como era o meu cheiro. Lembro-me do perfume que usava e de que nessa altura não fumava, embora tenha partilhado contigo o meu primeiro cigarro, numa daquelas tardes em que a nossa relação era ainda somente de amizade e muito riso à mistura. Era tudo tão simples, sem angústias e noites mal dormidas. A amizade é, efectivamente, algo de muito simples. Porque haveríamos nós, então, de complicar e transformar esse sentimento noutro tão distinto e complexo? A metamorfose ocorreu connosco sem que nos apercebessemos. Ou será que nos apercebemos? Eu senti-o, mas não soube o que era e deixei que se instalasse, porque, de certa forma, era um sentimento aprazível. Como se passou contigo, não sei. Falámos sobre isso, ao longo dos muitos meses em que partilhámos as nossas vidas, mas neste momento, não sei quantas das palavras proferidas por ti, foram verdade.
Se te chegasses a mim agora, verias como o meu cheiro mudou. O detergente certamente não será o mesmo, o perfume também não. E com estes dois, funde-se o cheiro a tabaco que me acompanha constantemente no dia-a-dia. Mas só tu me vias, tocavas e observavas nua. E despida de tudo o resto, o meu cheiro é nada mais que isso, o meu cheiro.
O mesmo cheiro que se misturava com o do teu corpo, quando fazíamos amor. Nada que se pareça com o odor a tabaco nem a Noa Perle, que todos sentem quando me cumprimentam, por cima de toda esta vestimenta que trago e que esconde um corpo, que porta um coração que tanto por ti sofre.