sábado, 31 de março de 2007

águas de março

Observo o mar.
Quebram com violência, as ondas. E as gaivotas, assustadas, esvoaçam para um outro pedaço de areia qualquer, buscando protecção. Sentem-se agora protegidas, mas eu não.
Observo o céu.
Os relâmpagos invadem-no e irradiam o meu campo de visão, deixando soar segundos depois o tremendo estrondo da trovoada. Um cão ladra, procurando deixar transparecer o seu medo. É escutado pelo dono, que o reconforta. Já não tem medo, mas eu sim.
Observo a praia.
Não vislumbro agora vivalma. Onde foram todos? Não sei. Toco com a mão na areia e acaricio os inúmeros grãos de areia da superfície. Macios, suaves, todos tão juntos. Se fossem gente, certamente seriam felizes. Eles nunca estão sós, mas eu sim.
Agora chove.
Não observo a chuva, sinto-a. As gotas caem-me no corpo e percorrem-no apressadamente como se quisessem, também elas, abandonar-me rapidamente. Talvez queiram, porque são como tu. Elas não sentem, mas eu sim.


A promessa de vida no meu coração? Foi-se.
Caminho, com a expectativa, de que em Abril volte. (A chuva de) Março fica para trás.

domingo, 18 de março de 2007

Droga


Olhei através da janela e pareceu-me ver a tua sombra desenhada na parede branca do prédio da frente. Os braços caídos ao longo da silhueta do teu corpo que tantas vezes fora meu, as pernas altas e fortes aguentando o tronco a que tantas vezes me abracei quando o medo de te perder me invadiu, agora era até a forma como o teu reflexo se movia, suavemente, através dos vidros das lojas do rés do chão. Eras tu, não tive dúvidas.


Mas, segundos depois de ter desviado o meu olhar para dentro, olhei outra vez pela janela. E já lá não estavas.
Subitamente, questionei-me se te terias ido embora tão rapidamente que nem me apercebi. Ou se os meus vícios começavam a resultar em deambulações por outros mundos que não o meu.



Olhei uma terceira vez e reparei. O prédio da frente não tinha paredes brancas, nem lojas no rés do chão.






segunda-feira, 5 de março de 2007

noa perle & marlboro

Por vezes, questiono se sentirás saudades do meu cheiro. Não me lembro de como era o meu cheiro. Lembro-me do perfume que usava e de que nessa altura não fumava, embora tenha partilhado contigo o meu primeiro cigarro, numa daquelas tardes em que a nossa relação era ainda somente de amizade e muito riso à mistura. Era tudo tão simples, sem angústias e noites mal dormidas. A amizade é, efectivamente, algo de muito simples. Porque haveríamos nós, então, de complicar e transformar esse sentimento noutro tão distinto e complexo? A metamorfose ocorreu connosco sem que nos apercebessemos. Ou será que nos apercebemos? Eu senti-o, mas não soube o que era e deixei que se instalasse, porque, de certa forma, era um sentimento aprazível. Como se passou contigo, não sei. Falámos sobre isso, ao longo dos muitos meses em que partilhámos as nossas vidas, mas neste momento, não sei quantas das palavras proferidas por ti, foram verdade.
Se te chegasses a mim agora, verias como o meu cheiro mudou. O detergente certamente não será o mesmo, o perfume também não. E com estes dois, funde-se o cheiro a tabaco que me acompanha constantemente no dia-a-dia. Mas só tu me vias, tocavas e observavas nua. E despida de tudo o resto, o meu cheiro é nada mais que isso, o meu cheiro.

O mesmo cheiro que se misturava com o do teu corpo, quando fazíamos amor. Nada que se pareça com o odor a tabaco nem a Noa Perle, que todos sentem quando me cumprimentam, por cima de toda esta vestimenta que trago e que esconde um corpo, que porta um coração que tanto por ti sofre.