Há alturas em que só me apetece deixar de ser eu e passar, de repente, a ser toda a gente para que toda a gente possa sentir o que eu sinto. Estranho é que antes isso acontecesse quando me sentia desesperadamente vazia e incompreendida e que agora aconteça quando me sinto invadida por essa força que me extasia os sentidos e parece tirar de um sono profundo partes de mim que valem a pena ser. Não que exista verdadeiramente algo em mim que não deva ou valha a pena ser, mas perante os outros as coisas tendem a funcionar assim. No mundo das pessoas não poderei nunca ser x se me comporto como y. Que tristeza que é essa de sermos governados por aparências. Mas como poderei eu mostrar estas sensações que me percorrem o corpo e tão mais que isso? Nada do que eu sinto me parece poder ser demonstrado como uma evidência banal, como quando se trata de tristeza ou alegria.
E se as pessoas vivessem (literalmente) de olhos fechados, será que a minha existência no meio delas poderia ser outra que não esta batalha incessante para me integrar numa realidade que vai contra a minha natureza? Diz uma qualquer parte de mim que contrariar a minha natureza é a maneira mais eficaz de aceitar a falta de sentido que revela ter tudo o que é. E agora outra parte ainda a gritar que nada é, tudo está. E para mais argumenta: é por isso que às vezes as coisas parecem fazer sentido. Num momento sim, no outro logo a seguir essa ordem que parecia ser indubitavelmente certa já voou. Que importa? Os momentos bons compensam de forma resoluta os maus. É como que ter em mim todas as emoções sem me sentir obrigada a escolher uma ou duas para ter agora. É como que saber que eu sou tudo e não sou nada, porque estas duas palavras são a mesma coisa. É ver uma mulher a pedir dinheiro na rua e um empresário a sair de um banco e perceber que não há nada, absolutamente nada, que os diferencie (mas lá está, o tudo e o nada são a mesma coisa). É sentir uma emoção negativa percorrer-me as entranhas e sorrir por saber que ela não está aqui em vão. E no fim de contas, é saber que a morte pode chegar quando bem lhe apetecer, porque eu estarei preparada.