sábado, 10 de janeiro de 2009

fantômes

- Chega aqui.
Chamas-me tantas vezes. Ligas-me, vens buscar-me, encontras-te comigo, levas-me no carro, agora também já eu te levo a ti. Onde vamos? Onde tu quiseres ir, eu vou onde tu fores (afinal não vim para onde vieste?). Provavelmente é contigo que passo mais tempo. E pensar que vivi uma vida sem ti. Gritos, mágoa, dias e noites, anos de desespero. Como pude provocar-te tudo isso, se nada mais fiz senão espalhar o meu amor, aquele que afinal deves ter sido tu a ensinar-me? Tu provocas muito mais em mim. No dia em que partires, partirei contigo. Morta já estou, só não morro agora porque não conseguiria provocar-te mais tristeza que aquela que já existe em ti.


- Sempre passas logo à noite no bar?
De cada vez que o faço, não me apetece falar nem discutir (nunca acontece) nem sequer olhar-te. Apetece-me não ter que recuar no tempo nem ter que usar a memória para me sentir nos teus braços outra vez. O teu colo. Aviões de felicidade e inocência que percorriam manhãs numa cama de casal à qual não pertencia eu, mas na qual deve ter ocorrido o primeiro momento da minha existência. Gostava de um dia adormecer no teu peito, só mais uma vez. Homem da minha vida.

- Não me deixes sozinho.
Não voltarei a fazê-lo. Solidão, solidão. Se este mundo fosse outro agarrava em ti e fugia contigo, para que jamais te sentisses sozinho. Partiríamos os dois, rindo-nos da solidão. Não sei se deixaria a minha vida por ti. Mas deixaria tudo por aquilo que construímos e nos foi tirado, pelo tempo, pela idade, por sei lá. Perdi a conta às alcunhas, às lutas na porta do meu quarto, ao futebol com uma bola de ténis no corredor da casa (temos que parar, são sete horas e a mãe deve estar a chegar! ah, parti a jarra, e agora? não te preocupes, eu digo que fui eu). Sempre me protegeste, parece que chegou a minha vez. Nem que seja uma forma de me proteger a mim mesma: Prometo nunca mais te deixar.

- Vamos fumar?
Vamos, pois. Antes pensava em ti e surgia-me a imagem do verão. Dos muitos verões, em que te via chegar depois de quase infinitos meses de espera. Sempre fomos a sósia interior uma da outra e a melhor dupla da família a jogar snooker. Acho que foi o verão que nos tornou especiais. Agora que se acabaram os verões não sei o que nos torna especiais. Presumo que te questiones sobre o mesmo, mas não vale a pena. Vamos fumar que o fumo resolve, pelo menos devolve-nos o sorriso e achamo-nos especiais, mesmo que a sensação dure apenas uma noite de verão. Afinal a vida não passa de um jogo de snooker: é só jogar às nossas bolas, sem tocar nas dos outros. Nós bem que o fazemos, mas de vez em quando lá caímos no erro de enfiar a bola preta. E logo aparecem os adversários para nos derrotar. Não desistas, uma partida tem mais que um jogo.

- O que é que queres?
Não te quero a ti. Já não. Mas o meu inconsciente noite sim, noite não, faz questão de te querer. Negação. Mas porque é que eu haveria de te querer agora? Depois de toda a dor que se instalou em mim, sim, provocada por ti, qual seria a felicidade que me poderias trazer? Alguma, mais que esta que tenho agora, responde uma qualquer parte de mim, que se eu soubesse onde se esconde, socava-a até à morte. Meu deus, porque é que eu quis amar? E porque é que te amei e tu me amaste, e agora não te amo nem tu me amas, e eu continuo mergulhada neste mar, de não sei bem o quê, certamente família da loucura. A loucura. Foste tu quem ma ofereceu. Que quero eu? Que não a vejas, que não a tomes, porque devolver presentes é falta de educação. Foi por isso que te deixei em paz, não por mereceres que eu respeite o teu silêncio, pois devíamos gritar-nos mesmo em vão, um dia, tudo aquilo que não soubemos dizer quando foi preciso.

- Volta para nós.
Como poderia eu voltar ao lugar onde os traumas nasceram, cresceram e se apoderaram de mim? Nunca. É um nunca a gritar a tristeza, a pena e a culpa que residem em mim. Não que queira a distância, muito menos o tempo. As vozes, os olhares, o toque, o toque das mãos tão diferentes umas das outras, os risos que a certa altura se começaram a misturar de cumplicidade, o conforto de um peito liso ou de outro volumoso. Anseio-vos a toda a hora. Mas jamais viveremos aquilo que vivemos. É uma questão de habituação, como tudo na vida. Trago-vos todos os dias comigo, converso convosco à beira do lago para não conversar comigo mesma, esquecendo por momentos que sou a única voz que se ouve. Gosto de pensar que por vezes são as vossas que me aconselham. Que me dizem o que fazer a seguir. E não esta confusão de cérebro que já não sei se está vivo. Vocês? Estarão sempre vivos dentro de mim.

- Desaparece.
Acho que nunca ninguém mo disse. Até nas piores rupturas, zangas, discussões, gritarias e depressões, não me recordo de ter ouvido tal palavra. A verdade é até, que quando esses fins chegam, não são anunciados como fins. Esperança que morre logo de seguida, quando me dou conta do desaparecimento. Afinal ninguém mo diz, limitam-se a fazê-lo, sem me avisar, como se assim custasse menos. Não custa menos nem mais. Custa. Dói quando me apercebo, dói um bocadinho mais no mês ou ano seguinte quando tenho a certeza, até que a dor se incrusta e não mais desaparece de mim. Quando quiserem fugir, não desapareçam, sem nada dizer. Prefiro ser eu a fazê-lo, prefiro sabê-lo no dia em que o fim nos aparece, prefiro não ter que viver com a incerteza, a angústia, a culpa, a esperança que morreu, a dor, a dor, a dor.


Esquecer-vos, esquecer tudo o que se passou, esquecer a dor, o amor, a felicidade (por mais que efémera, por vezes contínua, em raros círculos nunca repetitivos) é pôr fim à minha existência.
Já vos perdoei, quero perdoar-me. Tento perdoar-me, a cada instante, cada vez mais. Preciso de vocês, preciso de não lembrar, preciso de viver, preciso de vos viver.

Estou a caminho. Ajudem-me, dêem-me as coordenadas.