segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

les rendez-vous au bord du Léman

Uma vez por semana, mais vez menos vez, lá estamos nós. Costumamos encontrar-nos na ponte e seguimos pela margem direita do lago até chegarmos ao sítio, que cada vez mais, se torna nosso.
De todas as vezes destes últimos três meses, esta foi aquela em que percebi que afinal valia a pena nos sentarmos naquele alinhamento de rochas e observarmos durante horas o quadro que a paisagem vista desta cidade parece ser.
Tu começaste e não demorou muito até que eu me juntasse a ti. Não nos tocámos, nem falámos. Durante largos minutos, apenas chorámos. Não sei se a minha primeira lágrima se soltou por te ver chorar a meu lado, mas sei que deixei cair as seguintes, uma por uma, até que se esgotassem. Porque senti que podia ficar ali horas a chorar contigo, sem que nada dissessemos um ao outro. Soube-me bem chorar, ao contrário das últimas vezes, e sei que foi por o teu choro lá estar a reconfortar o meu.
Não havia ninguém por perto, hoje. Mas a certa altura aproximaram-se uns patos, pretos e magros (a mim pareceram-me magros, não sei qual é o peso médio de um pato), como se quisessem apreciar de perto a nossa dor. Pegaste numa pedra e lançaste-a, com uma força e uma raiva que eu não sabia existirem em ti. E, aos poucos, começaste a controlar a respiração e a limpar a cara molhada. Eu, talvez por não ter lançado nenhuma pedra aos patos, chorei mais um pouco. Mas por essa altura pensava em ti, que estavas ali a meu lado.
E percebi que não somos assim tão diferentes. Apenas usamos maneiras diferentes de lidarmos com os nossos problemas. Tu recorres ao isolamento total, ao álcool, aos medicamentos (já te disse que foi um disparate voltares a tomá-los). E eu tenho a droga, sempre a droga, e não consigo isolar-me como tu, porque aparentemente sou normal e não me deixam ficar em casa fechada durante semanas, mas lá o vou fazendo durante dias, quando posso.
Apeteceu-me dizer-te que és muito mais do que pensas ser. Que não és burro e que se não fosses tu, eu nunca teria sido inteligente como fui (eu acho que ainda sou, mas tenho a certeza de que era, portanto ficamos assim), porque sempre te tive como modelo. Sempre te tentei imitar, sempre tentei competir contigo, sempre tentei estar à tua altura. E era por isso que aos três anos já sabia coisas que só aos seis se aprendiam. Tu aprendias e ensinavas-me, logo de seguida, mesmo que por vezes nem te apercebesses. Tu sabias ler, eu tinha que aprender a ler. Tu jogavas mil e um desportos, eu tinha que aprender a ser boa nalgum. Tu sabias de cor as capitais de todos os países do mundo, eu tive que decorar a lista do PIB e do IDH. Eu fazia isto de forma inconsciente, não era que quisesse ser melhor que tu. Eu só queria ser como tu, para que nos dessem a mesma atenção.

- Putain, mais quel travail que papa et maman ont fait... - suspiraste ao fim de um tempo, esboçando o sorriso mais triste que eu já te vi na face.

Não te disse na altura, porque não me apetecia falar, mas eles não têm culpa. São culpados, sem dúvida. Mas nunca se aperceberam disso e, por isso, para mim, não têm qualquer culpa. Se duas crianças têm duas bonecas e uma das bonecas vai com elas para todo o lado dentro do carrinho e a outra fica completamente esquecida num canto, duvido que alguma delas venha, algum dia, a ser uma boneca feliz. Aposto que o sonho da que estava sempre a passear no carrinho era sentar-se, de vez em quando, na prateleira com as outras bonecas. E da outra boneca, acho que nem precisamos de falar. Mas o que importa é que as crianças não deixaram aquela boneca num canto de propósito. Aliás, não a deixaram num canto. Achavam que ela se ia dar bem com as outras bonecas e que não ia precisar de tanta atenção como a outra boneca, que levavam no carrinho. E afinal, sempre foi isso que a boneca abandonada deixou transparecer, sorria-lhes sempre que as via. Como podiam duas crianças perceber que a boneca era infeliz se ela lhes sorria sempre?

- Emmene-moi à la gare, s'il te plaît. J'ai peur d'y aller tout seul.

Com uma mão puxaste-me para cima. Entrelacei o meu braço no teu e acompanhei-te, como me pediste, pensando em como deve ser horrível deixar de se sair à rua por não se conseguir andar cem metros sem se ter uma tontura, uma náusea, um ataque de pânico. Quando foi que ficaste pior, outra vez? E porque é que eu nunca me apercebo? Eu sei a resposta, só não queria que fosse esta. Estou sempre tão absorvida na minha dor, que até hoje nunca me tinha lembrado que a tua existia. Desculpa. Atacou-me uma culpa, de tal maneira, que pensei em algo para te dizer. Mas falar nunca foi o meu forte, limitei-me a apertar com mais força o teu braço, com o meu.
E minutos depois, vi-te partir, no comboio, para casa. Lembrei-me de quando partilhávamos a mesma casa, aqui nesta cidade, em pequenos. Não chorei não por não ter vontade, mas porque tinha chorado tanto contigo à beira do lago que já não tinha lágrimas para chorar.

Promete-me que vais ser feliz. Promete-me que vais conseguir. Promete-me. Promets-moi, s'il te plaît. S'il te plaît, je t'empris. Se tu conseguires, eu também consigo. Por isso promete-me que vais ser feliz.