domingo, 25 de novembro de 2007
and you can tell me your reasons but it won't change my feelings
Poderás até mencionar as razões que te levaram a deixar-me neste abandono sem fim e farás parecer com que a culpa seja totalmente minha. Não sei se foi, mas as tuas razões não serão nunca suficientes para eu deixar de sentir o que sinto por ti. Apraz-me saber que não morrerei por inteiro sozinha. Levarei comigo aquilo que também decidi roubar-te: o teu amor por mim.
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
ma lettre pour toi, maman
Tenho saudades de chegar a casa e contar-te tudo o que aconteceu na escola, uma quantidade enorme de coisas insignificantes, que te faziam sorrir tal era o brilho dos meus olhos quando te dizia que tinha aprendido a fazer contas de multiplicar ou que havia recebido um Muito Bom numa composição.
Recordo a tua voz meiga que me acalmava quando algo não estava bem e eu esperava que fosses ao quarto dar-me um beijinho de bonne nuit, para partilhar contigo as minhas angústias e preocupações de criança. E eu chorava, sem medo, apenas para me libertar da dor que esses sentimentos me provocavam. E o teu abraço logo fazia com que se atenuassem e, de seguida, o sono se encarregava do seu desaparecimento.
E começava um novo dia. O meu empenho na escola primária fazia esquecer os outros meninos barulhentos, que não eram nada como os da escola suíça, todos sossegados como eu. Mas houve momentos em que me sentia profundamente triste. Passava os dias em casa, a ler os livros de Uma Aventura e a desenhar momentos da vida que havia ficado na Suíça.
Tu sabes que eu nunca me quis vir embora.
Agora mal via o pai, não conhecia ninguém, e tu, com o teu novo trabalho só tinhas mesmo tempo para estares comigo à noite quando me ias dar o beijinho.
Gostava dos fins de semana passados em casa do moinho da avó. O avô ensinou-me a geografia de Portugal e partilhou comigo a sua paixão pelo campo. Mas eu sempre preferi as grandes cidades, tu sabes. A avó, aquele ser fantástico que cozinhava os meus pratos de eleição, passava as tardes a observar-me, estendida no chão ao sol a montar Legos e a brincar com carrinhos. As barbies nunca tiveram lugar na minha arca de brinquedos.
E de vez em quando lembrava-me que tinha saudades da Anne e da Véro, e da minha prima Johanna e dos meninos todos da creche e da escola. Mas não importava, porque eu tinha a minha mamã. E eu era motivo de gozo porque continuava a chamar-te mamã aos 8 anos, quando todos os outros já apelidavam as suas por mãe. Mais pour moi, tu seras toujours ma maman.
E desde essa idade que me habituaste a ser incrivelmente responsável e eu tomei o gosto da responsabilidade. Adorava que me desses tarefas de crescidos, quando todos os outros passavam as tardes a ver o Batatoon e programas do género. Chegava a casa com um ar triunfante de cada vez que me tinhas pedido para ir ao banco depositar um cheque ou simplesmente me pedias para ir num instante ao supermercado comprar limões. Era tão importante para mim saber que confiavas nas minhas capacidades, que confiavas em mim. Mais do que no Sandro até.
E foi então, que sem dar por isso cresci. Comecei a preferir as idas ao cinema com os amigos do que as noites passadas na tua companhia. E depois do cinema, as festas de anos, as dormidas fora, os bares, as discotecas. E tu, sozinha em casa a insistires para que eu voltasse "não muito tarde" para poder ver contigo o documentário ou o filme que ia passar na tv. Com o pai longe, não gostavas que eu e o Sandro saíssemos. E de cada vez que eu ia à caixa de mensagens recebidas, esta já acumulava algumas tuas a dizer "estou à tua espera, está quase a começar" ou "está tanto frio na rua, vem para casa", mensagens essas que eu instantaneamente apagava. Quando voltava a casa, tu já te encontravas deitada (sempre gostaste de te deitar cedo) e eu ia lá dar-te um beijinho e reclamavas com o odor a tabaco, foi um vício que pegou cedo em mim. Depois quando eu apagava a luz, acrescentavas numa voz simultaneamente triste e zangada "Eu pedi-te para vires cedo, Tatiana. Quando o teu irmão chegar, diz para ele vir aqui dar-me um beijinho."
E eu ia para o sofá, ver tv, algo que agora que cresci ainda mais, me faz querer voltar atrás. Porque em vez de me sentar no sofá quando chegava a casa depois de uma noite em que os amigos e o álcool me preenchiam, não sabes o quanto eu desejo que pudesse ter sido diferente e ter-me sentado no sofá à hora dos documentários e filmes que tu tanto insistias para que eu visse contigo. Trop tard, maintenant.
Os amigos, a escola e uma ou outra paixão de adolescência, ocupavam agora todo o meu tempo. Já não sentia a falta da Suíça, o telefonema mensal do pai satisfazia-me, a primeira depressão do Sandro passou-me um pouco ao lado e sempre que tentaste falar comigo para ver se conseguias impor em mim o gosto de estar em família, que aos poucos eu perdi, acabámos por discutir e as nossas divergências levaram muitas vezes a que as tuas emoções se transformassem em choro e eu simplesmente mantinha o meu ar de indiferença para contigo e passava meia-hora diária na tua companhia, que era a hora do jantar, muitas vezes sem proferir uma única palavra.
Pensei saber o que era sentir ódio por alguém quando me começaste a castigar, tirando-me o telemóvel, a net, proibindo as minhas saídas. Mas hoje sei que nunca te odiei, embora eu saiba e tu também, que não tinhas o direito de ter deixado sair da tua boca algumas frases horríveis que ainda hoje ecoam nos meus ouvidos. Mas sabes, a experiência ensina-nos a perdoar e eu compreendo as tuas razões, embora seja difícil aceitá-las.
Cada dia que passava, distanciávamo-nos mais. E com o Sandro estável da depressão e eu com 16 anos, achaste que já era altura de regressares para junto do pai. E eu fui a primeira a apoiar-te. O problema foi o que se sucedeu à tua decisão, até ao dia de partires. A morte do avô transformou-te. Tornaste-te aos meus olhos ainda mais insuportável. Uma parte de mim queria ver-te pelas costas, é certo.
E partiste.
Uma avalanche de acontecimentos apanhou-me desprevenida. Viver sem pais, não é decididamente aquilo que se vê nos filmes. E se as saudades do pai se foram desvanecendo à medida que os anos foram passando, o mesmo não se pode dizer das primeiras semanas sem ti. De cada vez que o telefone tocava eu ia a correr, na esperança que fosses tu. Depressa o Sandro voltou a ser dominado pela depressão. E de certa forma, eu também. Deixou de ser importante tirar boas notas, porque tu não estavas em casa para eu te mostrar os meus testes quando chegava da escola. O vício do tabaco instalou-se em mim definitivamente e juntaram-se a ele, uns quantos outros, até mesmo o hábito de fumar ganzas, que anteriormente era algo que eu tinha completamente fora dos meus planos, começou a fazer parte dos meus fins de semana e mais tarde do meu dia-a-dia. Os teus cozinhados, o teu cheiro, a tua voz, o toque das tuas mãos nas minhas, a força do nosso abraço, até mesmo as nossas divergências, deixaram de fazer parte desta casa, deste meu mundo, de mim.
Não tens noção de tudo o que eu tive que enfrentar. Ajudar o Sandro, acordar todos os dias para ir para a escola e esforçar-me por ouvir o que aquelas pessoas que não sabem nada das nossas vidas têm para nos ensinar, que é tão pouco comparado a tudo o que eu tive que aprender para chegar até aqui e continuar a ter forças para ter objectivos de vida. Partiste na pior altura. E não pretendo culpar-te por isso. Só quero que saibas, porque eu nunca consigo dizer-te nada.
E agora aqui estou eu, a viver sozinha. O Sandro não aguentou e foi para junto de ti e do pai. E eu, será que me aguentei? Gostava de poder dizer-to. Que sou uma pessoa vazia. Que nada do que faço, me deixa feliz. Que tudo aquilo com que sonhei para mim, não aconteceu (ainda). E eu temo que nunca venha a acontecer, porque eu já não sou a pessoa que um dia antes fui. Sinto-me terrivelmente diferente. E o mais angustiante, é ter a certeza de que preferia o meu antigo eu. O meu eu feliz. Ouso dizer que tenho saudades de mim, muitas saudades. Mais do que aquelas que sinto por ti ou pelo pai ou por todas as outras pessoas que não posso ter comigo sempre que quero e preciso.
E deixo consumir-me pelo vazio. Que age tal como eu passo a maior parte do tempo. Em silêncio. Tento mostrar aos que me rodeiam um pouco do meu antigo eu, mas quando estou só, é sempre a Tatiana actual que predomina. E não sei quanto tempo mais, conseguirei fingir que sou feliz, que tenho tudo aquilo de que preciso, quando na verdade me sinto vazia, completamente vazia. E sabes, eu gostava de não ter que usar a escrita para exteriorizar os meus sentimentos. Mas é tão fácil transformar os nossos sentimentos em palavras, resumir a nossa vida numas quantas linhas... Porque tudo é feito em silêncio. E é com frustração, que assumo, que não conseguiria dizer-te tudo aquilo que acabei de escrever, a olhar-te nos olhos. Não vale a pena questionares porquê. Eu não o sei. Mas sei que provavelmente partirás deste mundo sem nunca leres isto e sem que eu nunca consiga dizer-to. Mas o mais importante... tu sabes, mamã:
Je t'aime très très fort. Et je n'oubliera jamais l'amour que tu m'a donnée. L'amour de maman. De ma maman.
Ta fille, Tatiana.
quarta-feira, 14 de novembro de 2007
Um pouco de Pessoa (em mim)
Nem sabe porque ama,
Nem o que é amar.
Amar é a eterna inocência
E a única inocência é não pensar."
(Alberto Caeiro) Fernando Pessoa
É perturbante a forma como me revejo em Pessoa. Não sendo poetisa nem escritora, não finjo o que escrevo, mas finjo o que vivo. Metade do que vivo, é mentira. Porque metade do que vivo, não vivo. Imagino. Consigo elaborar na minha mente o desenho do meu eu ideal, de momentos que poderiam ser reais, não fossem eles fruto da minha imaginação. Esboço incessantemente o que seria a perfeição, caso ela existisse. E sonho com ela. Sonho acordada. Não é um sonho enviado pelo inconsciente, é a vontade do meu consciente que manda em mim. Simulo mentalmente os meus dias futuros comandados pela perfeição. E esqueço-me de que eles estiveram próximos de acontecer, no passado. E eu era um ser tão inocente, que não senti o que era ser feliz. Se senti, essa lembrança ficou-se-me nesse passado, nesse passado distante.
Às vezes questiono-me se não haverá quem partilhe dos meus sentimentos, se não existirá quem não consiga alcançar a felicidade que tanto procura, mas que por momentos, efémeros momentos, se sinta feliz sem ela. Porque mesmo não possuíndo nada do que me faria feliz, eu sinto-me bem. É como se me tivesse habituado a não ser feliz. A não procurar a felicidade. E mais importante ainda, a não colocar nos outros a responsabilidade de me fazerem feliz. E não é por isso que não amo. Amo, amo incondicionalmente. Ao contrário de Pessoa, não consigo racionalizar tudo aquilo que experiencio. E tal como ele afirma, eu não sei porque amo nem o que significa amar. Mas há alturas, de maior lucidez, em que conheço o objecto do meu amor. Noutras, limito-me a procurá-lo sem que consiga encontrá-lo. Eu só gostava de poder não amar. De alcançar a plenitude sem necessitar de outrém. De me restringir à minha pessoa para conseguir tudo aquilo de que preciso. De me sentir apertada no meu próprio abraço ou de aquecer o meu âmago com o meu beijo, transmitindo-lhe todo o amor que sinto e não consigo dar. Porque eu amo, mas não amo. Imagino que amo. Tal como penso que sei o que é o amor, mas não sei. Imagino que sei. Porque se existem na minha memória, recordações do que é sentir amor e sentir-se amado, estarão de certo escondidas. Direcciono o meu olhar para o meu interior, frequentemente. E nunca as achei.
Perco-me nos meus pensamentos e talvez por isso, ame sem amar. Entrego-me ao subjectivismo, o que possivelmente me faz sentir que não preciso de ninguém para me sentir feliz. Mas preciso. E preciso tanto. Tento esquecer aquilo que não sou, desprezar todo o meu ideal de perfeição que jamais conseguirei vir a ser. Cingir-me àquilo que realmente sou, que posso ser, que deveria querer ser. Porém, não gosto do que sou. Não gosto. E não gosto, porque não sei o que sou. Tenho a certeza de que posso ser tantas pessoas diferentes, que acabo sempre por me confundir e não saber qual sou na verdade. E aos olhos de uns sou tão normal, aos olhos de outros transmito tanta ideia absurda que isso fá-los questionar sobre a minha sanidade mental. Para ti pode parecer que estou sempre rodeada por pessoas que me amam, mas para outra pessoa qualquer deixo apenas transparecer o meu ar solitário. E no meio de tantas características que servem para eu desenhar cada uma das minhas máscaras sociais, acabo por não conseguir encontrar a minha máscara de origem, aquela que não é mascarada. Aquela que é minha pele, meu corpo, minha alma. Meu eu, meu verdadeiro eu. E é então que descubro porque me sinto tão bem sozinha, sem ser feliz. Não é uma questão de hábito, como pensei que fosse. É saber, que quando estou só, não necessito de usar qualquer máscara. Posso ser eu, somente eu. Sem transmitir nada. Sem deixar transparecer qualquer característica inventada. Porque mesmo não sabendo o que sou, sei que quando estou só, sou eu. Sou eu de verdade. A face mais sincera do meu eu flutua na minha mente e não se torna necessário fingir o que não sou. Aquilo que gostaria de ser e não posso ser. Afinal, não preciso de ser nada. Basta-me existir. Tenho-me a mim. E sei que a mim própria, não preciso de provar nada.