segunda-feira, 31 de outubro de 2011

post tenebras lux

Folhas amarelecidas ou avermelhadas acumulam-se alegremente sobrepondo-se ao verde da superfície, como que abraçando esse verde num enterro longamente esperado e inesperadamente indolor, deixando para trás no ar que percorrem até se fazerem chão, essa brisa que corre lentamente envolvendo os tristes na doçura de um Outono que há muito não se via tão ameno.
São horas, sopra o infinito. São horas de te ergueres, o dilúvio emocional já lá vai, terá quem sabe ficado imobilizado nesse espaço entre o verde do chão e os tons vistosos das folhas, que hoje todos pisam num passo apressado, porque longe vão os dias de sol em que estendidos no verde, os tristes sem saberem que o são, observam as folhas ainda nos troncos robustos das àrvores. São horas, são horas de olhares o teu reflexo nas àguas estranhamente calmas do rio e de não caires na tentação relativamente absurda de lhe atirares pedras que sabes que não se ficam por flutuações num reflexo visível à tona da água límpida e hoje quase imóvel, mas que viajam até se fixarem nas profundezas desse mesmo rio que esconde tantos e tão distintos seres que extraordinariamente coexistem misturados numa quietude aparente aos olhos de quem se passeia inocente e distraidamente pelas suas margens.
São horas, mais do que nunca, de te deixares guiar pela luz e de abraçares a estranheza e a incerteza daquilo que se te apresenta hoje, porque no outro lugar onde raízes emergentes se foram criando ao longo de um tempo que já não é de ninguém, capazes de te enlaçar por completo numa escuridão pela qual te deixas seduzir e à qual te acostumaste com ternura, talvez resultante de um martírio aconchegante provocado pela presença de múltiplos desencantos que tendes a adivinhar mesmo antes da sua aparição, nesse lugar que frequentas com amor e devoção, cessaste tristemente de existir.
São horas, e a partir de agora, serão sempre horas, de enfrentares o desafio peremptório de te entregares à vida, tal como ela se entrega a ti sem se repugnar, todos os dias. Gritam os imponentes relógios espalhados pela cidade por onde te passeias, que são horas de aceitares com ou sem ponta de sofrimento, que o realista chegou a ti para pôr em prática a obra do sonhador.